Jeremy Frankel estava a acampar com os amigos entre palmeiras à beira-mar, há quase uma década, quando sentiu o cheiro a petróleo. Viu a lama negra que saía de um tubo de drenagem manchar as águas cristalinas da praia de Refúgio State Beach, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos (EUA), antes de as autoridades o obrigarem a abandonar a área.
Mais tarde, Jeremy Frankel viria a saber dos pássaros cobertos de petróleo, dos golfinhos e leões-marinhos mortos — vítimas de um oleoduto que se rompeu e derramou mais de 454 mil litros de crude ao longo da Costa de Gaviota, uma das regiões menos desenvolvidas da orla marítima do Sul da Califórnia.
“A extensão total nunca será realmente conhecida”, disse Frankel enquanto caminhava por entre essas mesmas palmeiras, muitas delas agora a serem arrastadas pelas tempestades de Inverno e pela subida do mar. Tornou-se advogado do Centro de Defesa Ambiental, uma organização sem fins lucrativos sediada em Santa Barbara, e uma das pessoas que está a tentar bloquear um esforço para reactivar esse gasoduto encerrado e, assim, impulsionar uma indústria petrolífera offshore que há anos tem vindo a decair.
A empresa por trás dessa acção, a Sable Offshore Corp., é uma companhia independente de petróleo e gás com sede em Houston, formada em 2020 e cuja equipa de gestão tem experiência na indústria de petróleo da Califórnia. A empresa referiu num documento da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidosque, a 19 de Dezembro, recebeu uma dispensa do gabinete dos Bombeiros do Estado da Califórnia que abre caminho para reiniciar a actividade no gasoduto em Janeiro.
“Tivemos décadas de operações seguras de petróleo e gás”, explicou Steve Rusch, vice-presidente de assuntos regulamentares e ambientais da empresa, numa audiência pública em Santa Barbara em Outubro. “A Sable está empenhada em operar o oleoduto com tecnologia de última geração”, assegurou o responsável.
Abrir velhas feridas à beira-mar
O plano da Sable — retomar a perfuração em três plataformas em alto-mar e bombear o petróleo através de um oleoduto enterrado, que se estende por quilómetros ao longo da costa — está a reabrir velhas feridas nesta simpática cidade à beira-mar. Muitos habitantes são a favor da preservação do ambiente e desconfiam dos oleodutos. Santa Bárbara foi a primeira cidade, com os derrames de petróleo, a sensibilizar a população para questões ambientais, agora parte da identidade local.
Em 1969, outro grande derrame numa plataforma petrolífera offshore despejou 100 mil barris de crude no canal de Santa Barbara — uma catástrofe que ajudou a lançar um movimento ambientalista nos EUA. Foi também uma das motivações para fundar o Dia da Terra, criar a Agência de Protecção Ambiental norte-americana e abrir caminho para a aprovação leis fundamentais, como a Lei do Ar Limpo e a Lei das Espécies Ameaçadas.
O plano de construção do oleoduto surge numa altura em que muitos californianos receiam um retrocesso nas questões climáticas e ambientais, sobretudo devido ao regresso do Presidente eleito Donald Trump à Casa Branca com promessas de “drill baby drill”. Durante o primeiro mandato, Trump fez pressão para expandir a perfuração offshore na Califórnia, apesar de muitas plataformas terem deixado de produzir e de o governo federal não ter emitido quaisquer novos contratos para actividades petrolíferas ao longo da costa no estado desde a década de 1980.
O regresso de Trump torna o travão à proposta Sable ainda “mais crítico para a Califórnia”, comentou Alex Katz, director executivo do Centro de Defesa Ambiental, que foi criado em resposta ao derrame de 1969. “Temos uma administração federal que quer perfurar em toda a parte. Esta é uma oportunidade para a Califórnia mostrar que vamos continuar a liderar o combate à crise climática, apesar desta administração”, referiu o responsável. “Se a Califórnia permitir que isso aconteça, penso que enviaria uma mensagem muito má”, acrescentou Alex Katz.
Impulsionar a economia local
A Sable planeia produzir um milhão de barris de petróleo bruto por mês a partir das plataformas que, desde o derrame de 2015, estão paradas. Os apoiantes do projecto afirmam que o reinício das operações vai impulsionar a economia local. A empresa espera empregar cerca de 200 pessoas nas instalações e fornecer petróleo nacional produzido de acordo com normas ambientais rigorosas.
“Perdemos muita gente boa quando a Exxon Mobil se foi embora”, referiu Ryan McLeod, um capataz de campo offshore da Sable, durante a audiência de Outubro. “Houve famílias que foram forçadas a encontrar empregos menos remunerados, ou simplesmente a abandonar esta bela região, e agora temos a oportunidade de as trazer de volta, e a Sable está a proporcionar-nos essa oportunidade”, disse McLeod.
Embora os ambientalistas marcado há muito uma posição forte em Santa Barbara, os interesses ligados ao petróleo são anteriores a esse legado. A primeira plataforma de perfuração de petróleo offshore do país foi construída no canal de Santa Barbara no final do século XIX. Na década de 1920, cais de madeira e torres de petróleo faziam parte da paisagem costeira de Summerland, a sul de Santa Barbara. Grandes plataformas petrolíferas foram construídas além, em águas estatais e federais, que bombeavam o crude para a costa através de uma rede de condutas.
Mas a indústria, outrora tão importante para o estado, testemunhou um declínio nos últimos anos. Das 23 plataformas petrolíferas que persistiam em alto-mar, oito já não estão a funcionar e seis estão em processo de desactivação.
Entre elas está a plataforma Holly, que foi desactivada após o derrame de petróleo de 2015 na praia de Refúgio, responsável pelo derramamento de crude numa conduta sob a auto-estrada 101 e no oceano. O derrame matou cerca de 550 aves, mais de metade das quais pelicanos castanhos, 150 pinípedes, na sua maioria leões-marinhos da Califórnia, e cerca de 75 golfinhos, de acordo com uma avaliação dos danos efectuada pelo Estado e pelo governo federal. O desastre também levou ao encerramento de praias e locais de pesca, espalhando petróleo no mar até ao sul do condado de Los Angeles, a mais de 160 quilómetros de distância.
Um passado que não se esquece
O derrame de 2015 “foi, mais uma vez, inacreditavelmente traumático”, disse Joan Hartmann, supervisora do condado de Santa Barbara e antiga advogada ambiental. “Sentimos tanta vergonha, tanta angústia, pelo que a espécie humana fez ao mundo natural”, afirmou a responsável.
Joan Hartmann era estudante universitária de um curso de Medicina na altura do derrame de 1969. Mudou o rumo académico, voltando-se para a política e o direito ambiental. No Departamento do Interior, trabalhou nas primeiras negociações regulamentares para estabelecer normas de qualidade do ar para equipamento petrolífero em alto-mar; na Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, sigla em inglês), concentrou-se na lixiviação ácida das minas de carvão.
O derrame de 2015 e a dor que provocou levaram-na a candidatar-se a um lugar no conselho de supervisores do condado e a prosseguir na missão de fazer de Santa Barbara um exemplo da transição para as energias renováveis. No entanto, o gasoduto Sable passa ao longo da sua propriedade, pelo que está impedida de votar sobre o assunto. “Mas eles não podem tirar-me a voz”, disse Joan Hartmann.
Um processo ainda em curso
Após o derrame de 2015, a Exxon Mobil suspendeu as suas operações em três plataformas offshore em águas federais — Hondo, Harmony e Heritage, que constituem a Unidade de Santa Ynez — e o operador do oleoduto, Plains All American Pipeline, foi considerado culpado de várias acusações criminais por um júri do condado de Santa Barbara.
A Exxon acabou por propor a entrega do petróleo por camião, um plano que o condado de Santa Barbara rejeitou. Em Fevereiro, a Sable adquiriu a unidade de Santa Ynez e o sistema de oleodutos à Exxon, que emprestou à empresa mais de 600 milhões de dólares (cerca de 582 milhões de euros) para a compra. A Sable garante que tem legitimidade para reiniciar a actividade, nomeadamente ao abrigo do decreto de consentimento federal que resultou do litígio após o último derrame.
A dispensa do gabinete dos Bombeiros da Califórnia, que diz respeito a medidas de segurança da conduta, tem ainda de ser aprovada pela Administração de Segurança de Condutas e Materiais Perigosos dos EUA. Além disso, “a Sable deve também completar várias outras acções” antes de poder reactivar o oleoduto, de acordo com Christine McMorrow, porta-voz da Cal Fire.
“Apreciamos a aprovação dos Bombeiros do estado, reconhecendo as nossas medidas de segurança robustas, que vão para além dos requisitos estatais e federais, incluindo o Decreto de Consentimento do tribunal federal. Na altura do arranque, esta conduta cumprirá requisitos de segurança mais rigorosos do que qualquer outra conduta no estado”, afirmou a Sable num comunicado de imprensa.
Acordos com proprietários
Em vez de substituir a conduta corroída que rebentou, como a Exxon tinha inicialmente considerado, a Sable decidiu repará-la. A empresa afirma que está a instalar medidas de segurança reforçadas, incluindo 27 novos dispositivos de corte de emergência, e que irá efectuar inspecções com maior frequência do que a exigida. Antes de o oleoduto voltar a funcionar, a empresa afirma que efectuará testes de pressão para garantir que está “como novo”.
Para avançar com essas reparações — escavar secções da conduta para reparar cerca de 100 “anomalias” tanto na zona costeira como mais para o interior — foi necessário fazer um acordo com os proprietários de terrenos ao longo do percurso. Chegou-se a um acordo para que a Sable pagasse 68 milhões de euros a cerca de 100 proprietários de terras, disse Barry Cappello, um advogado que representa os proprietários de terras.
“Os proprietários de terras estão muito satisfeitos com o acordo”, explicou Cappello. “Se possui um acre ou um acre e meio, pode ver um cheque de 250 mil dólares (cerca de 243 mil euros)”, acrescentou o advogado. Mas esse trabalho de reparação gerou controvérsia.
No Outono, os condutores começaram a ver maquinaria pesada a escavar montes de terra ao longo da auto-estrada 101, com vista para o Pacífico. Brian Trautwein, director do programa de bacias hidrográficas do Centro de Defesa do Ambiente, documentou cerca de 20 locais, a maioria dos quais em drenagens ou perto de riachos.
Impasses nas autorizações
A Comissão Costeira da Califórnia emitiu à Sable uma ordem de cessação e desistência em Novembro, uma vez que a empresa não tinha autorização para o trabalho e ordenou-lhe que enchesse os poços abertos e controlasse a erosão.
Rusch, funcionário da Sable, disse durante a audição pública de Outubro que a empresa acreditava estar a efectuar reparações autorizadas ao abrigo das aprovações existentes e que o fazia com a presença de biólogos e arqueólogos. A Sable estava a trabalhar com a comissão costeira para resolver as suas preocupações, assegurou o funcionário. A Sable afirmou em Dezembro que “o assunto está em curso e esperamos que seja resolvido”.
Kevin Loughran vive a jusante de um desses sítios, num conjunto rústico de casas com vista para o oceano. O artista e metalúrgico de 76 anos reside no meio de uma vegetação exuberante, repleta de tílias e macadâmias, anonas e dragoeiros. As quatro habitações da sua propriedade dependem de um poço alimentado por água de nascente.
O monte de terra escavado no local de reparação atrás da sua casa foi entretanto preenchido e rodeado por uma rede cor de laranja, juntamente com um sinal: “Aviso: oleoduto de petróleo bruto”. Mas ainda há uma faixa de terra solta e pedras que Kevin Loughran teme que possam ser arrastadas para o seu quintal e contaminar o poço durante as chuvas de inverno. Ele não quer que o oleoduto seja reactivado. “Espero mesmo que o considerem inviável. Não sei porque é que estão sequer a tentar”, disse o artista.
Medo de um futuro derrame de petróleo
Em 2024, o condado de Santa Barbara aprovou um objectivo ambicioso de redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. Hartmann, a supervisora do condado, disse que as operações da Sable, se forem retomadas, representarão uma grande parte das emissões totais do condado. Quanto ao objectivo de 2030, assegura que, “seria uma grande perda”. “Se esta operação arrancar, será o maior emissor do condado”, acrescenta a supervisora.
Mas, acima de tudo, os opositores em Santa Barbara temem um novo derramamento.
Um projecto de análise ambiental, preparado para o condado de Santa Bárbara em 2024, concluiu que a reactivação do oleoduto poderia resultar num derrame anual e numa ruptura importante de quatro em quatro anos, libertando potencialmente o dobro do petróleo do que durante o derrame de 2015, mesmo com válvulas de segurança para o conter.
A Sable descreveu o documento como “um projecto não certificado, incompleto e não revisto por pares” que “não capta com precisão o impacto de reiniciar um oleoduto completamente remodelado para o estado de novo”.
Para Frankel e outros ambientalistas de Santa Barbara, é mais um lembrete dos perigos de dragar mais petróleo num local onde já se derramou tanto. “Ninguém pensou que alguém tentaria reiniciar este oleoduto”, concluiu Frankel.