Não é a idade que trava Lauralice, doutoranda aos 62 anos

Aprovada em primeiro lugar pelo FCT, Lauralice de Moura Ribeiro estuda a relação da geração Z com as empresas em Portugal: “As pessoas, quando estão felizes no trabalho delas, não vão embora”.

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Lauralice de Moura Ribeiro estuda a forma de as empresas se comunicarem com a Geração Z Arquivo pessoal
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Sabe aquela crítica que em vez de te derrubar e fazer com que você desista dos seus sonhos, tem o efeito contrário e te desafia e impulsiona? Foi o que aconteceu com Lauralice de Moura Ribeiro, 62 anos. Em Portugal para fazer um doutorado na Universidade de Coimbra, ela também quis submeter seu projeto à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), em abril do ano passado. Mas levou um balde de água fria de sua orientadora, que foi direta e reta: “Ela me disse que eu tinha de provar para o FCT que valia a pena financiar alguém com mais de 60. Fiquei com aquilo atravessado e trabalhei 14, 15 horas por dia. Fiquei brava na hora, mas deu certo. Hoje somos grandes amigas”, conta Lauralice, que ainda passou em primeiro lugar. “Nem eu acreditei”.

Com a tese A comunicação organizacional para a sustentabilidade direcionada ao público interno da geração Z – Estudo de caso das cinco empresas mais sustentáveis de Portugal, a niteroiense comemora o fato de fazer um projeto de comunicação organizacional, que ela diz não ser algo muito comum, e ganhar uma bolsa de estudos com mais de 60 anos. “Só não posso dizer que ‘ah, uma brasileira ganhou!’ porque apliquei como aluna portuguesa. Mas foram vitórias muito importantes”, aponta ela, que fez administração na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), mestrado na Universidade de Coimbra e pós-graduação em comunicação organizacional na Faculdade Cásper Líbero, também em São Paulo.

Sobre a escolha da geração Z (nascidos em média entre a segunda metade da década de 1990 até o início de 2010) para sua tese, Lauralice explica que costumam ser pessoas que “não têm tolerância nenhuma, nem resistência às frustrações do mercado”, o que acarreta prejuízo aos que contratam esses profissionais. “Eles acabam não ficando nas firmas por muito tempo. Então, como a gente segura esses caras?”, pergunta ela. “Vamos criar um manual de melhores práticas para a comunicação da sustentabilidade que será colocado em teste pelas empresas que serão estudadas”, sugere.

Com 35 anos de experiência no ambiente corporativo, ela aposta que se Portugal quiser ser um país mais competitivo, as empresas precisam aprender a se comunicar. “Comunicação e liderança vão estar sempre no topo dos problemas”, avisa. “Talentos vão embora e não é só pelo salário. Em média, 80% das demissões não são causadas pelo dinheiro, não é isso que vincula o empregado ao patrão. Se você estiver num ambiente bom, você não sai. A paz não tem dinheiro que compre. As pessoas quando estão felizes no trabalho delas, não vão embora, elas ficam. Não é só aqui, é em qualquer parte do mundo. Isso segura gente talentosa”, avalia.

Lauralice frisa que ter um bom clima no escritório, por exemplo, não significa que todos serão amigos de fé, irmãos, camaradas, como diz a música de Roberto Carlos. “Mas as relações empáticas são decorrentes de uma comunicação eficaz das empresas. Você treina o seu público para isso. A sociedade portuguesa é mais fechada, mais reservada, mas está mudando. Há muitos portugueses que se relacionam com empresas globais. Ali você vê a diferença” observa.

Morando em Coimbra, ela já sonhava em deixar o Brasil há algum tempo. A vinda dos filhos João Gabriel, para estudar Engenharia Civil, na Universidade de Coimbra, e Pedro, que é designer de automobilismo, consolidou a mudança. “Eu não queria sair do Brasil, mas a polarização política que ocorre lá não resolve nada. Também queria viver com mais segurança. Aqui eu posso sair de casa de madrugada sem medo”, afirma.

Ela conta sua experiência. “Meu coração fica partido quando vou ao Rio, porque se eu preciso ir a um supermercado, em Ipanema, tenho de levar o meu cartão de crédito escondido dentro do sutiã! Por isso, eu não negocio mais a minha segurança”, afirma.

Mãe também de Ana, que trabalha com biblioteconomia, a única preocupação de Lauralice é com o sistema de saúde português por causa da filha. “Ela tem necessidades especiais. Não há médicos aqui como no Brasil, onde também tenho uma rede de apoio que não tem preço”, acredita.

No futuro, ela pretende dar aulas e fazer a diferença na vida dos jovens. “A minha grande angústia é ver que o estudante sai da faculdade sem informações de como as empresas funcionam. Quero mostrar que trabalhar não é para ser algo sofrido, é possível ter qualidade de vida. O estresse ocorre quando a empresa não se comunica”, ressalta ela, que não pensa em parar tão cedo. “Não vou me aposentar aos 70 anos. Tenho muito o que aprender”. E ensinar.

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