O Bloco de Esquerda defende que é altura de reverter a abolição de um dia de falta justificada ao trabalho para os dadores de sangue, que acabou há mais de 10 anos. De então para cá, o número de dádivas não tem parado de descer, e as associações do sector têm pressionado sem êxito os sucessivos governos.
A proposta do BE deu entrada no Parlamento nos últimos dias de Dezembro e a dirigente bloquista Marisa Matias explica que "as reservas de sangue se encontram perto de uma situação alarmante e que isso põe em causa a prestação de cuidados de saúde e, em última instância, vidas que devem ser salvas".
O número de dadores de sangue tem diminuído nos últimos anos. Esta proposta do BE para devolver o dia de descanso aos dadores pode ajudar a incentivar as dádivas?
Sim. Em Portugal, as dádivas de sangue dependem totalmente de dadores benévolos. É um acto de solidariedade e de ajuda. Garantir o direito ao descanso dos dadores, assim como todos os direitos e regalias laborais ou de formação é uma condição necessária para que não se criem impedimentos adicionais. Sabemos, através das notícias, que as reservas de sangue se encontram perto de uma situação alarmante, e isso põe em causa a prestação de cuidados de saúde e, em última instância, vidas que devem ser salvas.
Sabem quais as razões apontadas em Portugal e nos restantes países para a progressiva diminuição de dádivas de sangue?
Haverá seguramente várias razões associadas, sabemos que é uma actividade que deve mobilizar toda a sociedade, mas a nossa proposta procura responder a uma razão concreta, a impossibilidade de ter o dia de descanso associado à dádiva. A lei actual, na redacção do actual estatuto de dador de sangue, apenas garante que um dador se possa ausentar da sua actividade laboral ou de formação pelo “tempo considerado necessário para o efeito”. Não ter direito ao dia de descanso pode significar exigir que vários dadores se dediquem a trabalhos físicos pesados depois da dádiva. Esse facto pesa muito na decisão de efectuar a dádiva ou não. Eliminar esse bloqueio é um passo fundamental. Manter a lei como está não só não garante direitos como desprotege os doadores junto das entidades patronais.
O dia de descanso foi eliminado em 2011. Na altura, julgo que com um Governo socialista, o argumento para acabar por este dia de descanso foi economicista?
Parece evidente que, quando essa decisão foi tomada, não se teve em consideração os impactos que poderia ter. Temos agora já tempo suficiente para perceber a tendência e, de acordo com o relatório do Instituto Português de Sangue e Transplantação, nos últimos 10 anos existiram menos 21 mil dadores a efectuar dádivas e, consequentemente, menos 47 mil dádivas quando comparados 2014 e 2023. É essa tendência que tem de ser invertida. Não há, nem pode haver, um argumento economicista quando o que está em causa é o funcionamento adequado dos serviços de saúde, é a realização de cirurgias, é salvar vidas.
Porque é que, de então para cá, não tem sido possível um consenso sobre esta matéria no Parlamento?
Poder-se-á invocar desconhecimento da realidade e dos impactos dessa medida, mas creio que os sucessivos alertas e a realidade que conhecemos neste momento já não permite continuar a ignorar o problema, e é obrigação do Parlamento corrigir a situação difícil a que chegámos.
A Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue entregou em 2023 uma petição sobre este tema. Nunca foi discutida?
A petição ainda não foi discutida, mas sê-lo-á em breve, e é nosso entender que as preocupações ali expressas devem ser acolhidas. Ainda em Outubro deste ano, uma das federações de dadores benévolos alertava para o facto de as reservas nacionais estarem a cerca de 50% do que deveriam estar, com cerca de cinco a seis mil unidades de sangue armazenadas. Os hospitais portugueses necessitam, diariamente, de cerca de 1100 unidades de sangue. Uma reserva considerada estável significa ter, pelo menos, 10 mil unidades. A quebra nas reservas e nas doações podem, por isso, ter elevados impactos no funcionamento dos serviços de saúde. Uma realidade particularmente afectada é a das cirurgias. Sem reservas de sangue, muitas cirurgias podem ser postas em causa.
Na Madeira, os dadores de sangue têm direito a dois dias de descanso. Faz sentido haver realidades diferentes no país?
Há várias situações de desigualdade que não deveriam existir. Por exemplo, na Madeira, existe a carreira de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde, e no resto do país ainda não é uma realidade. Aqui, a situação é semelhante. Entendemos que deveria haver uma harmonização que garanta os mesmos serviços e direitos aos utentes em todo o território nacional. A proposta do Bloco de Esquerda vai nesse sentido.