Que chatice, lá vou ter de fiscalizar (II)
Na anunciada fiscalização “concentrada” das federações desportivas, tendo em vista a renovação do seu estatuto de utilidade pública desportiva, um “lembrete” estatal chama particularmente à atenção para alguns diplomas legislativos e a respectiva necessidade de os cumprir. São eles os seguintes: Decreto-Lei n.º 117/2023, de 17 de Dezembro, que veio estabelecer o regime jurídico da formação desportiva, Lei n.º 39/2023, de 4 de Abril, que estabeleceu um novo regime jurídico das sociedades desportivas, Lei n.º 14/2024, de 14 de Janeiro, determinando o regime jurídico da integridade do desporto e do combate aos comportamentos antidesportivos e Lei n.º 23/2024, de 15 de Fevereiro, que estabeleceu a proporção de pessoas de cada sexo na composição dos órgãos das federações desportivas e da liga profissional, prevendo ainda a criação de canais de denúncia de infracções de normas de defesa da ética desportiva.
Para além de todo o resto, este elenco mete respeito pelos deveres de regulamentação, de diferente intensidade e natureza, que tais textos implicam para as federações desportivas (mas não só). Por outro lado, o “lembrete”, em termos de conteúdo e de mensagens transmitidas às federações desportivas, pode não estar totalmente correcto. Ou, em alternativa, bem mais possível, a interpretação das normas jurídicas a que aludem, concretizada pelos serviços da administração pública desportiva, pode não ser a mais acertada.
O certo, que deve estar presente na “mente” de todas federações desportivas, é que o que vier a ser definido por essa administração pública não é sinónimo automático de legalidade e não vincula os tribunais. Esta chamada de atenção prende-se com o facto dessas organizações desportivas em muito dependerem financeiramente do Estado e mesmo que em desacordo com o que lhes é imposto, acabam por não oferecer resistência de maior na fase da interpretação diversa das normas jurídicas que se lhes aplicam.
Por outro lado, espera-se que haja um esforço de uniformização dos serviços que apreciarão tantos estatutos e regulamentos para que as observações que eventualmente venham a ser produzidas sejam aplicáveis a todas as federações por igual.
E já agora que estamos “numa” de fiscalização, apure-se a razão pela qual o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) não dispõe de um canal de denúncia como imposto pelo artigo 31.º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 39/2023. E desse conta pública da fiscalização levada a cabo (?) junto das dezenas de sociedades desportivas, também sobre a existência de um canal de denúncia, previsto na alínea b) do mesmo artigo. E por aí adiante.
A fiscalização não é como o Natal, pois não é sempre que o IPDJ quiser, mas antes um permanente e actuante poder-dever.