Pensar a sustentabilidade
Ação climática, custo de inação, transformação, mudança. O consenso à volta da sustentabilidade hoje não é apenas uma constatação sobre o estado das coisas, é fundamentalmente um imperativo de ação. O modelo económico vigente, reconhece-se, criou um aumento de bem-estar sem precedentes, mas fê-lo à custa de uma enorme pressão sobre o planeta e de forma desigual entre grupos e regiões. Outro consenso: é preciso por isso cortar com o passado, é urgente construir um novo futuro. Para tal, diz-se ainda, é necessário “pensar fora da caixa”.
Numa azáfama de movimento somos então convidados a pensar. Um apelo aparentemente, mas apenas aparentemente, extemporâneo. A chamada ao pensamento não inclui um convite à paragem. “Pensar fora da caixa” é continuar a agir. O pensamento aqui invocado é, uma vez mais, prático. É este o convite hoje endereçado às universidades, que na sua cada vez maior necessidade de justificação, parecem ter confundido a “caixa” com a torre de marfim. E, por isso, apressaram-se a descer as escadas. O problema é que neste movimento talvez acabemos mesmo todos juntos ao ar livre, cheios de boa vontade mas, sem saber o que estamos a fazer.
A defesa das universidades como bastião do pensamento plural já foi feita. Ainda assim, será útil recuperar uma ou duas daquelas ideias, situando-as neste contexto. Num mundo moldado pelo progresso científico e desenvolvimento tecnológico, e que se reconhece a si mesmo nesses termos, os desafios da sustentabilidade colocados às universidades prosseguem num contínuo de instrumentalização do conhecimento. Não é necessário recuar muito no tempo para encontrar uma longa fila de defensores da introdução das linguagens de programação, das ciências da computação, de forma transversal em todo o ensino. Os estudantes, alegadamente, deverão estar prontos para a disrupção da digitalização, dos algoritmos e da inteligência artificial.
No contexto da sustentabilidade os termos são diferentes, mas o apelo é o mesmo: cabe à universidade formar profissionais capazes de responder às novas exigências de uma economia verde e socialmente justa. Os currículos dos cursos oferecidos pelas universidades devem ser revistos; os temas da sustentabilidade deverão entrar em todos eles. Os estudantes saídos das universidades deverão contribuir para implementar mudanças concretas em prol da sustentabilidade. Este é o mantra. Paradoxalmente, porém, à medida que a tecnologia substitui trabalho intelectual, é precisamente a capacidade de pensar o que fazemos que escasseia. A saída do labirinto da insustentabilidade não equivale à resolução de um problema técnico. Se não concorda, lembre-se dos coletes amarelos em França.
Permitam-me concretizar esta ideia com um exemplo na área académica que habito, a economia. Mais do que ao programar, o jovem economista será tanto mais um “problem solver” quanto melhor for capaz de partilhar a perspetiva, o quadro concetual, que aprendeu nos livros que leu na biblioteca da sua faculdade. E, se tiver aprendido mesmo bem a lição, a reconhecer as suas insuficiências. Este é, assim, outro aparente paradoxo: à medida que se pede às universidades afunilamento técnico, a torre de marfim torna-se cada vez mais relevante. Ironicamente, a “inutilidade” das humanidades e das ciências sociais torna-se cada vez mais necessária para a prática.
Aqui chegado, o leitor, talvez com razão, interprete o exposto como mais uma apologia da torre de marfim. Permita-me um último esclarecimento: não é esse o ponto. Não se pretende que a universidade seja essa torre. Afinal, sou um economista; um animal recebido com desconfiança no reino da intelectualidade. O conhecimento técnico, aplicado, é parte integral da universidade. Foi no passado, será no futuro. O que as universidades forem capazes de desenvolver nesse âmbito será parte fundamental da resolução do problema. Há, porém, quem pretenda que a universidade seja essencialmente isso.
Quais então as implicações disto tudo para as instituições de ensino superior? O ajustamento curricular poderá - talvez deva mesmo - ser feito, mas este é um aspeto marginal. Às instituições caberá sobretudo aprofundar a ideia tradicional de universidade. “Aprender a pensar” é um cliché mas, como se sabe, os clichés por vezes carregam consigo verdades que sobreviveram à passagem dos tempos e das modas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico