Depois da mutilação genital, as mulheres na Gâmbia estão a começar a falar de sexo
O debate sobre a mutilação genital feminina levou a uma discussão aberta sobre o prazer sexual na Gâmbia. As mulheres estão a comprar brinquedos sexuais e os homens a aprender sobre preliminares.
Quando os políticos e os líderes religiosos da Gâmbia fizeram pressão, este ano, para anular a proibição da mutilação genital feminina (MGF), muitos países em todo o mundo temeram que esta pequena nação da África Ocidental pudesse estar no caminho da regressão no que toca aos direitos das mulheres.
A tentativa não foi bem-sucedida e a proibição continua em vigor. Mas na Gâmbia conservadora, o debate teve também uma consequência inesperada: um novo foco no prazer das mulheres.
As mulheres estão a comprar brinquedos sexuais pela primeira vez. Os homens estão a aprender sobre a importância dos preliminares. Os casais estão a começar a falar sobre o que está a faltar no quarto — e a trabalhar para o resolver.
"Sempre se tratou de agradar aos homens e de fazer o que eles gostam", disse Fatoumata Sanneh, activista dos direitos das mulheres da Gâmbia. "Antes, não havia qualquer conversa sobre as mulheres, a não ser sobre o seu controlo. Mas com este diálogo, isso está a mudar — estamos a crescer como país, estamos a avançar".
Em toda a Gâmbia, uma nação de 2,5 milhões de habitantes, que foi criada a partir do Senegal durante o domínio colonial britânico, cerca de 75% das mulheres e raparigas com idades entre os 15 e os 49 anos foram sujeitas a cortes genitais femininos, de acordo com as Nações Unidas. A prática — que é amplamente conhecida como mutilação genital feminina — pode envolver a remoção de parte do clítoris e dos pequenos lábios e, nos casos mais extremos, a selagem da abertura vaginal.
Os defensores da MGF, incluindo um imã proeminente que lançou o esforço para alterar a lei, afirmaram que se trata de preservar a cultura, respeitar a religião e controlar a sexualidade das mulheres. Os opositores afirmam que a MGF tem uma série de malefícios, incluindo o risco de morte devido a uma intervenção mal feita, infecções recorrentes, dor e infertilidade.
Mesmo na forma "menos grave", parte do clítoris — um pequeno órgão com milhares de terminações nervosas que é normalmente capaz de produzir o maior prazer sexual para as mulheres — é removido. Assim, as vítimas dizem que entre os efeitos mais comuns, mas normalmente menos discutidos, da MGF está um profundamente pessoal: a perda de sensibilidade.
Muitas mulheres da Gâmbia não pensam no sexo como um prazer, disse Seray Sidibeh, jovem de 26 anos que estuda informática. Só recentemente, disse, é que as mulheres "estão a começar a dizer: 'Eu não tenho prazer'."
Outro sinal de mudança: uma jovem contou que começou a vender brinquedos sexuais nas redes sociais no início deste ano. Num mês, já tinha vendido centenas e as mulheres estavam a pedir mais.
Mas a vendedora, que falou sob condição de anonimato por recear reacções adversas, disse que o país ainda tem um longo caminho a percorrer, referindo que muitas das mulheres que compraram os brinquedos o fizeram em segredo por terem vergonha.
Muitos homens estão apenas a começar a compreender as implicações da MGF nas relações sexuais, disse Modou Lamin Davies, que dirige uma organização sem fins lucrativos que promove a masculinidade positiva. Agora, vêem que muitas vezes é mais difícil para as mulheres que foram mutiladas sentirem prazer e estão a falar sobre a importância dos preliminares.
"Por mais terrível que seja, foi uma bênção disfarçada", disse Davies sobre o debate. "Trouxe à tona uma série de questões que antes estavam enterradas debaixo do tapete."
A discussão sobre sexo começou
Nesta sociedade maioritariamente muçulmana, as conversas sobre sexo têm sido historicamente um tabu. Esperar até ao casamento — especialmente para as mulheres — é valorizado. Os pais raramente falam com os filhos sobre o assunto.
Mesmo para os activistas, a questão pode ser difícil de abordar, disse Fallu Sowe, o coordenador nacional da Rede Contra a Violência Baseada no Género. Sowe disse que trabalha no activismo relacionado com a MGF há 27 anos e que a discussão em torno do sexo e da sexualidade "nunca foi tão aberta como agora".
Ironicamente, os defensores da MGF ajudaram a abrir o discurso, disse ele, ao dizerem claramente o que os activistas já sabiam há muito tempo: a mutilação tinha a ver com o controlo do desejo das mulheres.
Abdoulie Fatty, um dos imãs mais proeminentes da Gâmbia, disse anteriormente ao The Washington Post que o corte é necessário para "equilibrar os sentimentos de uma mulher" porque "no sexo, o poder das mulheres é maior do que o poder dos homens".
Num dos momentos mais explícitos — e amplamente partilhados — do debate que durou um ano, Fatty também deu dicas específicas num dos programas mais proeminentes da Gâmbia sobre formas que não envolvem o clitóris de dar prazer às mulheres, incluindo beijar-lhes os lóbulos das orelhas.
Ouvir esses comentários foi "embaraçoso", disse o imã Baba Leigh, um dos líderes religiosos da Gâmbia que tem feito campanha contra a MGF. Leigh disse que a MGF não é de forma alguma exigida pelo Islão.
"Estás a dizer-me que Deus não sabe qual é o limite certo para uma mulher desfrutar? E tu sabes? Isso é ridículo", disse, quando questionado sobre as declarações de Fatty. "Deus sabe o que é adequado."
Mas mesmo entre as vítimas, falar sobre o impacto do corte no sexo e na sexualidade pode ser complicado. Fatou Baldeh, uma defensora anti-MGF reconhecida internacionalmente na Gâmbia, continuou a reunir mulheres de ambos os lados do debate para discussões francas.
Numa tarde no início deste mês, uma dessas mulheres, uma agente prisional de 43 anos e mãe de quatro filhos chamada Kaddy Sey, explicou que nunca tinha sentido qualquer prazer durante as relações sexuais com o marido. Ele tenta apoiá-la, mas por vezes fica frustrado, disse ela.
"Para mim, ter qualquer sensação é um problema", diz Sey, que foi mutilada aos 10 anos. "Só há dor." Sentada nas proximidades, Bintou Kanyi, vendedora de sumos de 34 anos, disse que não sentiu qualquer perda de sensibilidade apesar de ter sido cortada quando era bebé. Disse que achava ofensivo ouvir os homens dizerem que é mais agradável dormir com mulheres que não foram cortadas. Num debate especialmente aceso, disse que deu por si a defender a ideia de que as mulheres cortadas ainda podem ter prazer, lembrando ao homem que todas as mulheres são diferentes.
Mariam Njie, uma ngansinba, ou praticante tradicional de mutilação genital, de 65 anos, disse que só recentemente é que as mulheres que foram submetidas à MGF começaram a queixar-se de não gostarem de sexo.
"Isto é novo", disse Njie, acrescentando que não acredita nas mulheres, observando que a prática tem sido feita "há gerações". Enquanto a mulher mais velha falava, Sey saiu silenciosamente da sala, com um ar cansado. Tinha jurado nunca cortar as suas próprias filhas e decidiu começar a falar publicamente sobre a sua própria experiência. Também tinha prometido a si própria pedir aos médicos uma resposta que há muito se interrogava: haverá alguma coisa que possa ser feita para a ajudar a sentir prazer sexual?
"Vamos continuar a explorar"
Para alguns casais, o debate nacional estimulou e aprofundou as conversas sobre uma questão que os gambianos dizem ter afectado muitos casamentos. E coisas que durante muito tempo foram discutidas apenas entre quatro paredes passaram a ser objecto de debate público.
Sam, palestrante de 30 anos que falou na condição de ser identificado apenas pelo primeiro nome para proteger a identidade da mulher, disse que ele e a mulher tiveram dificuldades com o sexo durante mais de um ano depois de se casarem porque a abertura vaginal dela tinha sido selada quando ela era mais nova.
Ambos cresceram em famílias religiosas e esperaram até ao casamento para ter relações sexuais. Na noite de núpcias, aperceberam-se de que algo estava errado, mas não sabiam exactamente o quê. Acabaram por desistir, disse ele, com ela a sentir-se culpada e ele emotivo.
Desde que uma tia conseguiu abrir o orifício, têm conseguido fazer sexo, mas Sam percebe que ela ainda não tem prazer e tem vergonha de falar sobre isso, mesmo com ele.
Enquanto os legisladores debatiam a possibilidade de revogar a proibição, Sam referiu que ele e a mulher viam as notícias todas as noites. Começou a falar em eventos, na esperança de que a partilha das suas lutas pudesse ajudar outros casais — que, segundo ele, se divorciam muitas vezes devido a problemas íntimos silenciosos causados pela MGF — e poupar uma geração futura.
Disse aos membros da família que os denunciaria à polícia se cortassem a sua filha. Pediu à mulher que se concentrasse menos no prazer dele e mais no dela. E prometeu ser paciente e empenhado em ajudar a sua mulher a obter do sexo um prazer semelhante ao seu. "Vamos continuar a explorar", disse. "Pode demorar anos, mas estou confiante de que lá chegaremos."
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post