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De volta à aldeia, Pedro Lobo mostra cinco décadas de aculturação na vida dos krahôs
Depois de acompanhar uma expedição a uma aldeia indígena krahô, há 47 anos, o fotógrafo Pedro Lobo retornou ao local munido de sua câmera. Agora, ele mostra a mudança da vida deste povo originário.
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No final da década de 1970, o fotógrafo Pedro Lobo viveu uma aventura que jamais esqueceria ao longo de sua vida. Ainda jovem, registrou os costumes, os hábitos e o dia a dia do povo krahô, na Aldeia Pedra Branca, Tocantins. O trabalho fazia parte do projeto de documentação do Artesanato Indígena do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em Brasília. Voltou de lá com muitas imagens para o seu currículo e uma kombi, que a equipe usou para viajar, cheia de peças feitas pelos anfitriões. Nunca mais voltou. Até o mês passado, quando resolveu mostrar pessoalmente as fotos que tirou dos krahôs em 1977, e que nunca tinham sido vistas por eles.
Quase 50 anos depois, porém, o hoje premiado fotógrafo deparou-se com uma realidade bem diferente. E muito dura. “Há um problema de alcoolismo muito grave entre eles”, conta Lobo, por videochamada, do ateliê de sua casa, no Alentejo. “É uma das questões que quero mostrar para levantar essa discussão e fazer algo para ajudar”.
Aos 70 anos, ele também encontrou uma juventude muito dependente do telefone celular e, em geral, uma população mais distante de suas raízes. “Os jovens estão sofrendo muito com o impacto das redes sociais. E as meninas usam sutiã, pintam as unhas”, lamenta. “Muitos adultos também não cortam mais o cabelo da maneira tradicional. Deve ser complicado para ambas as partes, para os jovens e para os mais velhos. E há uma geração intermediária em que até o vigor físico mudou”, relata.
Outra diferença que impactou Lobo, que reencontrou alguns índios que foram fotografados naquela época, foi a ganância pelo dinheiro. “Em 1977, trocamos facões por artesanato, e eu fazia quase uma fotonovela depois. Do momento que se pegava a folha de palmeira até virar um cesto. Agora querem te vender colares de sementes”, observa.
Nos anos 70, a convite do designer Aloísio Magalhães (1927-1982), ele viveu a experiência com os povos originários com os antropólogos George Zarur, Luís Roberto Cardoso de Oliveira e Celso “Capim” La Cava (também já falecido). “Antes da viagem, saímos para comprar facão, mochila, cantil e latas de salsicha! Eu achava tudo estranho e ainda por cima era vegetariano”, conta ele, que teve as imagens preservadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Desta vez, segundo o fotógrafo, os recursos para a nova expedição saíram do próprio bolso. “Tentei apoio, mas não consegui. Carro, comida, hotel, passagens aéreas, paguei tudo”, afirma ele, que ainda teve de comprar uma vaca. “Em 1977 fizemos isso. É uma tradição daquele povo. O visitante tem que levar uma vaca”, explica.
Lobo, que mora em Portugal há 16 anos, pegou um voo de Lisboa para Brasília e, de lá, outro avião para Palmas. Depois, a equipe percorreu uma estrada quase toda de terra durante cerca de cinco horas até Itacajá (TO). “Mas não fomos de kombi, que, por sinal, quebrou no caminho naquele ano”, relembra ele, que foi novamente batizado pelos krahôs. “Eles me deram um banho num riacho, depois cortaram o meu cabelo, com dois cortes nas laterais, parecido com os que os jogadores de futebol costumam usar, e pintaram o meu corpo com urucum, leite de pau e jenipapo com carvão. E esse leite parece uma cola, onde eles põem penas, dá uma coceira! E ainda sou carregado no cangote pela aldeia por um deles. Eles continuam muito hospitaleiros”, descreve.
O fotógrafo mostra um carinho especial pelo povo krahô. “Fotografá-los foi o meu primeiro trabalho profissional depois que eu saí da universidade”, diz Lobo, que estudou na School of the Museum of Fine Arts, em Boston, e no International Center of Photography, em Nova Iorque, ambas nos Estados Unidos.
Mas o dinheiro ficou curto e ele teve de voltar para o Brasil. "Aproveitei para adquirir conteúdo com as minhas raízes”, afirma. “Eu já fotografava bem, tive uma educação técnica e visual bastante boa fazendo Belas Artes. E a cultura que eu tinha, devo aos meus pais. Eles sempre me levaram para ver exposições, tínhamos muitos livros em casa. Ao mesmo tempo, como não tinha uma formação antropológica, eu tive um olhar mais livre com os krahôs”.
Casado com a historiadora de arte Patrícia, ele resolveu trocar o Brasil pela terrinha para ganhar mais qualidade de vida e novas oportunidades de trabalho. “A mudança da fotografia analógica para a digital criou um impacto muito grande na minha geração. E estava difícil a vida no Brasil. No Rio, então, a situação estava ainda mais complicada. Tornou-se uma cidade doente”, avalia.
No início, porém, não foi fácil se entrosar com os profissionais de Portugal. “Continuava fazendo exposições pelo mundo, mas demorou bastante tempo para eu ser incorporado ao hall dos fotógrafos daqui”, confessa. Lobo já teve seu trabalho exposto em museus e galerias em países como Brasil, Portugal, Estados Unidos, Dinamarca, Alemanha, China e Colômbia.
Os novos cliques feitos durante a segunda viagem vão virar um livro. A ideia é fazer também uma exposição em Portugal e no Brasil. No Youtube, os vídeos sobre os krahôs já atingiram 35.000 visualizações. “Temos um bom material. Agora estamos tentando apoio, leis de incentivo fiscal”, explica. “Eu fotografo para aprender sobre as coisas, sobre as pessoas. E alertar sobre problemas sociais de forma construtiva”, afirma.