Clamídia ameaça coalas da Austrália: cientistas procuram vacinas em contra-relógio

A clamídia é uma das principais causas do declínio da população de coalas na Austrália. Duas equipas de investigadores estão a desenvolver vacinas para proteger os marsupiais desta doença infecciosa.

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Um coala (Phascolarctos cinereus) olha para uma câmara no jardim zoológico de Sidney, na Austrália DAVID GRAY / REUTERS
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Os cientistas estão a trabalhar em contra-relógio para ultimar duas vacinas que possam proteger os coalas da clamídia, uma doença infecciosa que constitui uma grave ameaça a estes pequenos marsupiais. “Já passámos a fase da urgência. Era urgente provavelmente há dez anos”, afirma à BBC Michael Pyne, veterinário-chefe do Hospital da Vida Selvagem Currumbin, em Queensland, na Austrália.

A clamídia é uma das principais causas do declínio recente da população de coalas (Phascolarctos cinereus), uma vez que pode provocar a morte ou deixar inférteis estes animais icónicos da Austrália. A Chlamydia pecorum é a principal espécie de clamídia que afecta estes mamíferos marsupiais, tanto na natureza como em cativeiro.

Peter Timms, um microbiólogo da Universidade de Sunshine Coast, na Austrália, desenvolveu com a equipa uma vacina contra a clamídia que está a ser testada num pequeno grupo de coalas em Queensland e Nova Gales do Sul. Os resultados preliminares sugerem que o fármaco reduz a gravidade da doença, ainda que não impeça o processo infeccioso.

A vacinação de um quinto de uma população de coalas, garantiu Peter Timms à revista norte-americana The Atlantic, parece ter melhorado a sobrevivência em pelo menos 60%. Paralelamente, Ken Beagley, professor da Universidade de Tecnologia de Queensland, lidera a criação de uma outra vacina em estreita colaboração com o veterinário Michael Pyne.

Os dois grupos de investigação desenvolvem, há quase duas décadas, fármacos que possam salvar os coalas e afastar o risco de uma possível extinção. Contudo, existem desafios na área da regulamentação e do financiamento que estão a dificultar o progresso e a aprovação final de uma vacina.

“Haverá obstáculos”, prevê o microbiólogo Peter Timms, citado pela cadeia britânica BBC. O cientista submeteu a vacina que desenvolveu, em parceria com Samuel Phillips e a restante equipa, à aprovação da agência australiana que regula medicamentos. Mas, para já, os investigadores mantêm-se cautelosos.

Falta tempo e dinheiro

Um dos maiores desafios enfrentados pela equipa de Timms e Phillips parece ser a gestão do tempo. Por um lado, estão desesperados atrás de financiamento. Por outro, são constantemente bombardeados com pedidos de vacinação. Qual será a melhor aposta? Fazer um grande número de ensaios para ajudar no presente os coalas ameaçados? Ou investir no processo lento de investigação e aprovação da vacina para proteger mais coalas no futuro?

“As pessoas vêm ter connosco com alguma regularidade e perguntam se podemos vacinar mais coalas. E a resposta, numa dada altura, começa a ser negativa, caso contrário estaremos a gastar todo o nosso tempo e energia a fazer isso”, explicou Peter Timms à BBC.

Embora os dois grupos de investigação já disponham de resultados potencialmente promissores, não é possível afirmar quando haverá uma vacina aprovada. Além do burocrático, rigoroso e longo processo de aprovação de novos fármacos, por si só dispendioso, há outro factor que consome tempo e dinheiro: o trabalho de localizar, capturar e vacinar indivíduos selvagens durante a fase experimental.

Os governos estadual e federal da Austrália são os maiores financiadores dos dois projectos de imunização dos coalas, segundo a BBC. Em 2023, Camberra deu à Universidade de Tecnologia de Queensland e à Universidade de Sunshine Coast um total de 1,5 milhões de dólares (mais de 1,4 milhões de euros).

“O investimento em projectos de saúde dos coalas, como este implante de vacina que está a ser desenvolvido na Universidade de Tecnologia de Queensland, desempenhará um papel crucial na protecção e conservação deste animal tão querido”, disse na altura Tanya Plibersek, ministra do Ambiente da Austrália, referindo-se à vacina desenvolvida pelo cientista Ken Beagley.

Como a vacina da Universidade de Tecnologia de Queensland está desenhada para ser administrada em duas doses – ao contrário do fármaco desenvolvido por Peter Timms, que consiste numa dose única –, Ken Beagley apostou num implante capaz de libertar a médio prazo a segunda dose. Isto evitaria uma segunda localização e captura dos animais selvagens para uma segunda etapa de imunização.

Em 2014, quando a população de coalas foi avaliada pela última vez, a espécie Phascolarctos cinereus foi classificada como “vulnerável” na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Ao longo da última década, o animal icónico da Austrália tem enfrentado um declínio acentuado e está hoje mais ameaçado de extinção.

Além da clamídia, há outros factores que têm contribuído para o declínio da população de coalas. Os incêndios florestais são um deles – há quatro anos, por exemplo, uma vaga de fogos varreu a Austrália e afectou profundamente a espécie –, assim como a seca hidrológica, a degradação do habitat, o abate de árvores para a obtenção de lenha e os atropelamentos.