Público Brasil Histórias e notícias para a comunidade brasileira que vive ou quer viver em Portugal.
Aumento de preços em janeiro faz fila pela nacionalidade italiana disparar
Orçamento italiano para 2025 aumenta valor para dar entrada no processo de nacionalidade para 600 euros por pessoa. Até agora, eram 390 euros por família. Medida pode ser inconstitucional.
Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.
Acesso gratuito: descarregue a aplicação PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.
O orçamento do Estado da Itália, aprovado no dia 28 de dezembro, prevê um golpe na carteira de quem for pedir a nacionalidade italiana, o que dá direito de viajar e trabalhar na União Europeia. Em vez de pagar 390 euros (R$ 2.520) por processo, o que abrange uma família inteira, o valor vai passar a ser de 600 euros (R$ 3.880) por pessoa. Além disso, os processos nas municipalidades – que eram gratuitos, mas exigiam a permanência na Itália até a verificação por um funcionário local – também vão passar a custar 600 euros.
Segundo o advogado Alfredo Roque, do escritório da advocacia VE Consultoria, a medida visa restringir a atribuição de nacionalidade por ter um ascendente italiano, o chamado jus sanguinis. “A Itália é o país com a lei mais ampla de atribuição de nacionalidade. Se uma pessoa conseguir provar que é descendente de um italiano que tenha saído da Itália há 500 anos, pode pedir a nacionalidade”, explica. Apenas no Brasil, calcula-se que 30 milhões de pessoas teriam o direito de possuir um passaporte italiano, o que dá direito a circular e trabalhar na União Europeia.
Com a mudança, os escritórios de advocacia que tratam da nacionalidade estão abarrotados. “Desde o final de outubro, quando foi apresentada a proposta de lei do orçamento, até hoje, não paramos de fazer nacionalidades italianas”, relata Roque.
“Nos últimos dez dias do ano, tive 500 requerimentos para entrar com processo”, contabiliza a advogada Ana Carolina Nogueira, que partilha um escritório com a advogada italiana Antonella Castelloni. “Eu concluí esses dias um processo de uma família com 20 pessoas. Eles pagaram 390 euros. Se fosse segundo o novo orçamento de Estado, pagariam 12 mil euros (R$ 77.500)”, acrescenta.
A avalanche de pedidos, que exigem documentos apostilados em cartórios, provocou filas em outros serviços. “Chegou ao ponto de os cartórios no Brasil, que demoravam três dias para apostilar documentos, estão demorando dez dias agora para o mesmo procedimento”, acrescenta Roque. O apostilamento é o reconhecimento internacional de documentos emitidos em outros países.
Uma vez que o descendente de italiano tenha entrado com os papéis, fica aguardando o agendamento, o que pode levar anos. “O pior caso é o Consulado de São Paulo, em que o agendamento está levando 12 anos. Em Belo Horizonte está levando dez anos e em Curitiba ou Buenos Aires também está levando anos. Existem empresas que vivem de vender vagas na fila do consulado”, conta Ana Carolina.
As filas não atingem os filhos de pessoas que já têm a nacionalidade italiana, apenas os que querem recuperar a cidadania quando os pais não pediram. “Se for filho de italiano, basta fazer o registro no consulado”, refere o embaixador da Itália em Portugal, Claudio Miscia.
Três caminhos
Existem três formas de pedir a nacionalidade italiana, relata Ana Carolina. A primeira é a administrativa, em que se faz um pedido no site do Ministério das Relações Exteriores italiano e, depois, aguarda-se o agendamento no consulado.
O segundo caminho é através das municipalidades. O descendente de italiano apresenta os documentos no município italiano de onde seus parentes vieram e depois aguarda morando no local até aparecer um funcionário da prefeitura, o que geralmente leva até um mês. Com o relatório do funcionário, é emitido o certificado de nacionalidade.
E a terceira é a via judicial, em que existem dois processos possíveis. “O primeiro é o processo por via materna. A lei de nacionalidade italiana é de 1912 e previa que, se uma mulher italiana casasse com alguém de outra nacionalidade, ela perdia a nacionalidade e ficava com a do marido. Muita gente acredita que, se tem uma mulher italiana no meio da ascendência, então está tudo perdido. Mas a constituição italiana, de 1947, prevê a igualdade entre homens e mulheres. Como a Constituição é superior à lei de nacionalidade, prevalece a igualdade”, justifica Ana Carolina.
E a segunda é chamada de processo contra a fila. “Na verdade, não é contra a fila, mas contra a administração pública italiana. Tentamos pela via administrativa, não conseguimos e depois vamos a um juiz que declara a cidadania italiana e manda a comuna (municipalidade) transcrever”, acrescenta.
Pagar menos
Segundo Ana Carolina, existe uma forma de quem estiver interessado em obter a cidadania italiana se proteger do aumento previsto para 1º de janeiro. “Só vai pagar a taxa quem não demonstrar a intenção de obter a nacionalidade até o final do ano”, diz.
Ela dá a receita para mostrar que se pretende conseguir a cidadania. “Tem que entrar no site do ministério, fazer o cadastro para tentar agendar. O sistema não vai permitir agendar. O importante é salvar os prints da tentativa de agendamento. Assim, vai ser possível provar a intenção de conseguir a nacionalidade antes de aumentarem o valor do processo”, relata.
Inconstitucionalidade
A advogada afirma que a medida do orçamento italiano que aumenta os valores é inconstitucional. “Isso porque existe um acordo bilateral entre Brasil e Itália que prevê que a Itália não cobre taxas judiciais de brasileiros e que o Brasil não exija taxas judiciais de italianos” explica Ana Carolina. Os acordos internacionais aprovados pelos parlamentos têm mais força jurídica do que as leis, como é o caso do orçamento.
Outro ponto que ela considera que fere a lei fundamental é a forma como vai ser cobrada a taxa. “Não existe, no sistema judicial italiano, taxas por requerente. Apenas são exigidas taxas por processos. Se é um processo de uma família, devem pagar apenas uma vez, e não uma por pessoa”, conclui.