Unidas pelo “mesmo sofrimento”, Síria e Ucrânia prometem “parcerias estratégicas”
Chefe da diplomacia e líder do grupo rebelde que derrubou Assad receberam ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano em Damasco. Kiev quer contribuir para o “fim da presença da Rússia na Síria”.
O grupo islamista Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que derrubou o regime de Bashar al-Assad, na Síria, continua a trilhar caminho em busca de reconhecimento internacional e esta segunda-feira deu um passo importante nesse propósito, prometendo uma série de “parcerias estratégicas” com o Governo ucraniano.
Asaad Hassan al-Shibani, responsável pela pasta da diplomacia síria, e Ahmed al-Sharaa (o nome civil de Abu Mohammed al-Jolani), chefe do HTS e líder de facto do país, receberam em Damasco o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Andrii Sybiha, e, de forma mais ou menos assumida, comprometeram-se a reduzir a influência da Rússia na Síria.
O Kremlin foi um aliado de longa data do regime sírio e Assad pediu mesmo asilo político a Vladimir Putin depois de o HTS e outros grupos rebeldes sírios terem conquistado o poder, há pouco mais de três semanas.
“Haverá parcerias estratégicas entre nós e a Ucrânia a nível político, económico e social, assim como parcerias científicas”, garantiu Al-Shibani, citado pela Reuters, traçando semelhanças entre a guerra civil síria e a invasão russa da Ucrânia. “O povo ucraniano teve seguramente a mesma experiência e o mesmo sofrimento que o povo sírio teve durante 14 anos.”
No imediato, o Governo ucraniano chegou-se à frente com a promessa de ajuda humanitária à Síria, nomeadamente no campo alimentar. O primeiro carregamento das 500 toneladas de cereais prometidas por Volodymyr Zelensky deve chegar ao território sírio já na terça-feira, com os pormenores dessa operação a serem finalizados na reunião entre Shibani e Sybiha desta segunda-feira.
Em Damasco, Andrii Sybiha assumiu claramente que a Ucrânia quer aproveitar o vazio deixado pela Rússia na Síria e que olha para uma aliança reforçada com o grupo que governa o país como uma oportunidade para reduzir a influência de Putin na região.
“Os regimes russo e de Assad apoiaram-se mutuamente porque tinham como base a violência e a tortura. Acreditamos que, de um ponto de vista estratégico, o fim da presença da Rússia na Síria irá contribuir para a estabilidade, não só do Estado sírio, mas de todo o Médio Oriente e de África”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros num comunicado, citado pela Al Jazeera, no qual defende o “reconhecimento” do governo interino sírio.
Em Moscovo, é difícil não olhar para esta visita de alto nível de Sybiha à capital síria como uma jogada da Ucrânia e dos seus aliados ocidentais para conquistarem apoios numa zona de influência russa.
A isto acresce que, por temer pelo futuro das suas bases militares em território sírio – nomeadamente a base aérea de Hmeimim (ou Khmeimim), em Lataquia, e a base naval de Tartus –, fundamentais para a salvaguarda dos seus interesses regionais, o Governo russo não se pode incompatibilizar totalmente com a nova liderança no país.
Nesse sentido, Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, já disse que o Kremlin quer negociar com os ex-rebeldes sírios o novo estatuto das bases militares em causa.
Do ponto de vista de Al-Sharaa, o facto de grande parte do armamento e das infra-estruturas militares e energéticas sírias serem de origem russa ou mesmo operadas por russos, também não aconselha a um corte abrupto nas relações com Moscovo.
A partir de Damasco, Hashem Ahelbarra, jornalista da Al Jazeera, sublinha, no entanto, que os ganhos da visita de um alto dirigente ucraniano ao país são evidentes e justificam o risco: mostram que “a comunidade internacional lhe pode dar legitimidade ou, pelo menos, reconhecimento diplomático”.