O Ciimar Watch quer saber se os ecossistemas costeiros nacionais correm perigo

Um centro de investigação da Universidade do Porto está a estudar exaustivamente a costa Noroeste do país e o plano é a longo prazo. Assim se preparam respostas futuras às alterações climáticas.

Foto
Neste projecto do Ciimar trabalham investigadores das áreas de oceanografia física, climatologia, química ambiental, toxicologia ambiental, ecologia de mamíferos marinhos e biodiversidade, entre outros Tiago Bernardo Lopes/Arquivo Público
Ouça este artigo
00:00
05:06

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Os ecossistemas entre os estuários e a costa são complexos, interdependentes e as alterações climáticas impõem a sua observação atenta. O Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), da Universidade do Porto, lançou o Ciimar Watch, um programa de monitorização dos ecossistemas marinhos do Noroeste português a longo prazo, com uma abordagem holística. O programa é multidisciplinar e contínuo, para criar uma fotografia completa do que a água esconde. Os dados serão de acesso gratuito e livre, para orientar decisões políticas mais informadas e novas investigações científicas.

Já com três campanhas de recolha de amostras feitas, não é possível ainda tirar muitas conclusões novas sobre o mar do Norte português, mas dentro de alguns anos a regularidade da recolha destes dados vai mostrar como esta costa está a evoluir e a resistir às alterações climáticas. O Ciimar Watch é um projecto raro no país e um investimento para o futuro.

Catarina Magalhães, coordenadora do Ciimar Watch, explica que o carácter único deste projecto está na abrangência dos dados que recolhe e na sua perspectiva de longo prazo. Projectos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e de alguns centros de estudos já observam ao longo do tempo alguns parâmetros do mar português, mas sempre focados numa fatia isolada do grande bolo — como exemplo dá o caso do Cascaiswatch do IPMA, que observa o plâncton ao largo da baía de Cascais.

Com duas estações instaladas no Noroeste, uma em Viana do Castelo, outra no Porto, este projecto financiado integralmente pelo centro de investigação Ciimar reúne toda a capacidade disciplinar deste organismo para criar um quadro complexo onde os dados químicos, físicos e biológicos da água estão interligados. Trabalham para isto investigadores com experiência em oceanografia física, climatologia, química ambiental, toxicologia ambiental, ecologia de mamíferos marinhos e biodiversidade, entre outros.

Catarina Magalhães é investigadora em ecologia microbiana e resume este programa de monitorização como a “reunião de vários esforços que já estavam a ser feitos” pelas equipas separadamente. “Tentamos compilar ao máximo todo o conhecimento que temos no Ciimar para que o programa gere o maior número de dados, ou seja, informação mais real”, resume.

Preparar hoje as respostas do futuro

A escolha de Viana do Castelo e do Porto prende-se com a variedade de ecossistemas que podem ser observados nestas zonas. O programa recolhe aqui amostras de habitats costeiros, ambientes estuarinos (nos rios Douro e Lima), intertidais (zona rochosa, exposta na maré baixa) e subtidais (arenosa e submersa). Além disto, estas zonas já vinham sendo estudadas com alguma periodicidade, e esses dados históricos, embora recolhidos com outras metodologias, podem ser úteis para estabelecer relações ao longo do tempo.

Com as quatro campanhas de recolha de amostras ao longo de cada ano (uma por estação), o objectivo é retirar parâmetros oceanográficos — perfis de temperatura, salinidade, velocidade das correntes —, mas também fazer uma análise química à água que permita perceber os seus níveis de contaminação de derivados do petróleo (entre outros) e em que regiões são superiores.

Com a recolha sistemática dos mesmos dados e segundo a mesma metodologia, é possível saber com rigor como os ecossistemas estão a mudar por causa das alterações climáticas e da grande pressão humana que há sobre a região costeira, mas também como se estão a adaptar e qual o seu grau de resiliência. “Daqui a dez anos será informação preciosa”, antecipa Catarina Magalhães. Para tornar este conhecimento mais detalhado a longo prazo, há planos de instalar superestações nesta costa — bóias que fazem recolha contínua de alguns dados.

“Isto vai também ajudar-nos a perceber quando é necessário restaurar um ecossistema e a conseguir detectar essa necessidade num estado inicial”, quando a acção é mais fácil do que num estado mais avançado, explica Catarina Magalhães, lembrando que estes ecossistemas são responsáveis por “serviços” vitais para o homem e o planeta, como a maior parte do oxigénio que respiramos (que é produzido pelo plâncton) ou a fixação de dióxido de carbono.

Conhecer espécies além do que vemos

Um dos dados recolhidos a cada estação do ano pelos observatórios do Ciimar permite conhecer as espécies de fitoplâncton e outras microbianas presentes nestas águas. Através da técnica do ADN ambiental, os investigadores sequenciam o ADN de uma amostra de água e produzem uma lista exaustiva dos microrganismos aí presentes.

Também está a ser feita a monitorização de cetáceos, para perceber que zonas da costa devem ser preservadas e “ainda não estamos a recolher dados sobre peixes, mas estamos a pensar fazê-lo, especialmente nas zonas de estuários, por serem maternidades”, diz Catarina Magalhães. Este tipo de dados poderia ajudar a informar decisões sobre quotas de pesca ou períodos de defeso, por exemplo.

A análise da cobertura das algas e o seu mapeamento é outra observação importante para o programa Ciimar Watch. Com o aumento da temperatura das águas, as espécies presentes nas praias estão a mudar, sendo mais frequentes invasoras que estão mais bem adaptadas a estas temperaturas.

Todos estes dados terão “impactos a nível regional, nacional e internacional”, prevê a investigadora, uma vez que permitem decisões informadas e orientadas para a sustentabilidade a nível global. O Ciimar Watch passa a fazer parte de uma rede internacional de observatórios de monitorização que produz mapas regionais abrangentes e permite saber mais sobre o que se passa no Atlântico como um todo.

Sugerir correcção
Comentar