Solos: carta aberta ao Governo e à ANMP

Vimos manifestar a nossa extrema preocupação e claro desacordo com a decisão de se permitir a construção em solos rústicos, através da alteração ao RJIGT – Lei dos Solos.

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Primeiro-ministro, Luís Montenegro
Ministro adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida
Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz
Ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho
Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes
Presidente da Associação Nacional de Municípios, Luísa Salgueiro

A recente alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT – Lei dos Solos) foi discretamente aprovada. No entanto, vai ter consequências gravosas e duradouras sobre todo o território rural português. Deveria ter merecido um debate muito mais alargado. Os especialistas já demonstraram que há muitas outras soluções para o problema da habitação, que não passam pela construção em solos rústicos. A responsabilidade desta decisão exigia um debate que não houve.

Como membros do conselho diretivo do Laboratório Associado Change – Instituto para as Alterações Globais e Sustentabilidade, e em nome dos nossos 300 investigadores que têm competências e responsabilidades científicas e técnicas ligadas ao território e aos seus recursos, vimos manifestar a nossa extrema preocupação e claro desacordo com a vossa recente decisão de permitir a construção em solos rústicos, através da alteração ao RJIGT.

Sabem com certeza que esta decisão vai frontalmente contra as orientações estratégicas e legislação emanadas da Comissão Europeia, nomeadamente o Pacto Verde Europeu, a Lei Europeia de Restauro da Natureza, a Lei Europeia de Monitorização dos Solos, e a estratégia para os solos expressa no Pacto para o Solo na Europa. Nestas últimas são expressamente definidas metas com vista à melhoria da saúde dos solos da Europa em 2050, e incluem que se ponha linearmente fim à impermeabilização de mais solo por construção, devendo esta ser limitada aos solos já urbanizados. A lei agora aprovada em Portugal contraria frontalmente estas disposições e constitui um retrocesso chocante em termos de gestão inteligente e integrada do nosso território.

Relembramos que os solos rústicos têm características naturais adequadas para “aproveitamento agrícola, pecuário, florestal, à conservação, valorização e exploração de recursos naturais, de recursos geológicos ou de recursos energéticos, assim como o que se destina a espaços naturais, culturais, de turismo, recreio e lazer ou à proteção de riscos”. O solo é um recurso não renovável à escala humana pois, para se formar apenas um centímetro de solo arável, são necessários mais de 100 anos. A Comissão Europeia (Joint Research Centre) estima que cerca de 70% dos solos na Europa estejam degradados. E Portugal não foge a estes números. O esforço estratégico para o nosso futuro e para uma maior resiliência às alterações climáticas deveria ter como objetivo a melhoria da saúde dos solos, assim como o reforço da sua capacidade produtiva e da capacidade de retenção de água. Deveria, sim, focar-se na regeneração ativa dos nossos solos, sobretudo os agrícolas, e nunca abrir a possibilidade da sua impermeabilização.

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Para se formar apenas um centímetro de solo arável são necessários mais de 100 anos Adriano Miranda

Do ponto de vista da conservação da natureza e da biodiversidade e da qualidade paisagística, esta nova lei corresponde a um significativo risco de degradação. Terá impactes na resiliência dos nossos ecossistemas e dos serviços de ecossistemas a estes associados. E no mosaico da paisagem e assim diretamente no potencial de aproveitamento turístico do espaço rural – atividade económica crescente no nosso país e que está desta forma a ser desprezada.

Ao senhor primeiro-ministro e aos senhores ministros das várias tutelas relacionadas com este assunto, vimos solicitar um esclarecimento completo e convincente ao país.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

Teresa Pinto-Correia, Med/Universidade de Évora
Cristina Máguas, CE3C/Universidade de Lisboa
Francisco Ferreira, Cense/Universidade Nova de Lisboa