“Novo normal”: 2024 teve mais 41 dias de “calor perigoso”, em Portugal foram 20 dias

Em 2024, foram identificados 219 fenómenos extremos. Entre 29 casos analisados, 26 foram mais intensos devido às alterações climáticas. Portugal teve mais 20 dias de temperaturas perigosamente altas

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Os dias de calor acima da média são cada vez mais frequentes ISABEL INFANTES / REUTERS
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As alterações climáticas estão a expor cada vez mais milhões de pessoas a temperaturas altas durante períodos mais longos do ano, e 2024 trouxe um exemplo claro dessa nova realidade. Este ano, em média, tivemos mais 41 dias de “calor perigoso” do que teria acontecido num planeta sem alterações climáticas causadas pela acção humana.

Tome-se o exemplo do dia 21 de Julho, um dos dias mais quentes alguma vez registados, quando 5,3 mil milhões de pessoas estiveram expostas a temperaturas perigosamente elevadas — que foram “pelo menos duas vezes mais prováveis de ocorrer devido às alterações climáticas”.

As conclusões são do World Weather Attribution, um colectivo de cientistas que se dedica aos chamados estudos de atribuição, que permitem compreender em que medida os fenómenos extremos são causados pelas alterações climáticas.

Limites do corpo humano

Para identificar os dias mais quentes do que o normal, os cientistas analisaram as temperaturas médias de mais de 200 países e territórios entre 1991 e 2020, identificando o percentil dos 10% mais quentes — ou seja, as temperaturas que, em cada lugar, por norma, levantam mais perigos para a saúde.

Portugal, por exemplo, teve apenas 20 dias extras de temperaturas perigosamente elevadas, mas várias regiões mais próximas da linha do Equador chegam a ter mais de 100 dias a mais de calor extremo.

Este calor excessivo pode ter sérios impactos na saúde humana, em particular se combinado com condições de maior humidade. “Quando o corpo superaquece, o coração precisa de trabalhar mais para bombear o fluxo sanguíneo para a pele, por forma a dissipar o calor”, escreve o investigador Daniel J. Vecellio​ num artigo publicado na plataforma The Conversation. “Quando estamos a suar, isso também diminui os fluidos corporais. Num caso mais grave, a exposição prolongada pode resultar em insolação, um problema com risco de vida”, descrevem os investigadores.

Preparação pode salvar vidas

Em 2024, a “cascata sem precedentes” de fenómenos extremos não parou: enchentes em África e no Dubai, furacões nos Estados Unidos, seca na Amazónia, cheias em Espanha ou no Sul do Brasil. “Todos os anos, em Dezembro, perguntam-nos se foi um ano mau em termos de fenómenos extremos. A resposta tem-se tornado cada vez mais clara: sim”, explica a investigadora Friederike Otto, líder do WWA e docente no Imperial College London.

Ao longo do ano, o WWA identificou 219 fenómenos meteorológicos extremos e conseguiu analisar 29. Em 26 casos, foram identificados indícios de que os fenómenos foram mais intensos devido às alterações climáticas. Noutros casos, como na análise às cheias no Afeganistão, Paquistão e Irão, o resultado foi inconclusivo.

Para Friederike Otto, a análise das consequências dos 29 fenómenos extremos analisados pelo WWA “expõe a nossa falta de preparação colectiva”: “As ondas de calor continuam a tirar vidas, as inundações devastam comunidades e as secas destroem colheitas e meios de subsistência”, descreve a investigadora.

A maioria destas mortes, afirma, pode ser prevenida. “É claro que os mais vulneráveis são afectados de forma desproporcional por fenómenos meteorológicos extremos, por não disporem dos recursos e dos sistemas necessários para se protegerem”, nota Friederike Otto.

É notável a diferença entre o impacto de chuvas fortes na Europa central, que fizeram 30 vítimas mortais, e as consequências das enchentes no Sudão, Nigéria, Níger, Camarões e Chade, que causaram a morte de pelo menos 170 pessoas. “O reforço da resiliência face às alterações climáticas exige a criação de sociedades mais equitativas com serviços sociais robustos”, completa a investigadora.

A resposta a estes problemas é conhecida: “A principal resolução para 2025 deveria ser o abandono dos combustíveis fósseis”, insiste Friederike Otto.