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O Brasil vive crise de confiança, com dólar e inflação em alta, diz economista
Eduardo Velho, da Equador Investimentos, acredita que Governo só conseguirá reverter desconfiança quando assumir um compromisso real com o ajuste das contas públicas. Ele vê dólar chegando até R$ 7.
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Apesar dos bons indicadores da economia brasileira, com desemprego no menor nível da história, maior renda do trabalho e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 3% ao ano, o Brasil mergulhou num mar de desconfiança alimentado pelo mercado financeiro. O dólar ultrapassou os R$ 6 e a inflação voltou a se assanhar. Na avaliação do economista-chefe da Equador Investimentos, Eduardo Velho, essa percepção negativa está associada, majoritariamente, à incapacidade do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva de convencer os agentes financeiros de que está comprometido com um ajuste fiscal consistente e da gastança desenfreada do Congresso Nacional, com as descontroladas emendas parlamentares.
“Incertezas sobre o ajuste fiscal para reverter a continuidade da expansão da divida pública e para conter as expectativas de alta da inflação tendem a levar desconfiança aos investidores em geral, o que de fato tem ocorrido nas últimas semanas. O reflexo disso é uma reprecificação dos ativos, com maior demanda por dólar e saída de capitais da renda variável (Bolsa de Valores) para o exterior”, diz. Nem mesmo a forte elevação da taxa básica de juros (Selic), que está em 12,25% ao ano e chegará a 14,25% em março, como já avisou o Banco Central, e a venda de cerca de US$ 30 bilhões pela autoridade monetária em dezembro foram suficientes para acalmar os ânimos.
Velho acredita que o Governo precisa melhorar a comunicação e reforçar o compromisso de ajustar as contas públicas, para estabilizar a dívida pública bruta em 80% do PIB. Para ele, em meio às turbulências, não está descartada a possibilidade de, a curto prazo, o dólar se situar entre R$ 6,5 e R$ 7, contratando mais inflação futura. Pelos cálculos dele, o ritmo de crescimento da economia vai desacelerar em 2025, como o avanço do PIB ficando mais próximo de 2,3%. A seguir, os principais trechos da entrevista do economista ao PÚBLICO Brasil.
Por que tanta desconfiança entre os agentes do mercado financeiro em relação ao Brasil?
Em primeiro lugar, temos que lembrar que o Brasil já registrou períodos de elevada turbulência financeira e de volatilidade cambial, como as crises cambiais de 1999 e 2002. Também tem histórico não muito distante de planos econômicos heterodoxos fracassados, hiperinflação, sobretudo nos anos de 1980, e calote da dívida externa, fatos que geravam uma postura defensiva por parte dos agentes econômicos e uma saída repentina e crescente de capitais do país para o exterior.
Nesse sentido, incertezas atuais sobre o ajuste fiscal para reverter a continuidade da expansão da divida pública e para conter as expectativas de alta da inflação tendem a levar desconfiança aos investidores em geral, o que de fato tem ocorrido nas últimas semanas. O reflexo disso é uma reprecificação dos ativos, com maior demanda por dólar, saída de capitais da renda variável para o exterior, etc.
Há um deslocamento entre a forma como age o mercado financeiro e a economia real? Por quê?
Por se tratar de um segmento muito dinâmico, com informações e análises econômicas, financeiras e políticas praticamente em tempo real, o mercado financeiro antecipa, de forma mais rápida, os impactos de mudanças da política econômica ou o cenário financeiro, por exemplo, sobre a economia real. Ao administrar trilhões de dólares no mundo e para preservar o capital do seu cliente, o mercado tende a tomar decisões de investimentos e/ou exacerbar as expectativas de indicadores como inflação, dólar e juros, e parâmetros de crise de confiança mais proporcionalmente que o curso da economia real. Em suma, existe uma defasagem entre as mudanças dos cenários adotados no mercado financeiro e o seu impacto efetivo na economia real.
Quando se olha para os indicadores econômicos do país, o que se vê é um ritmo de atividade forte, com emprego e distribuição de renda. Isso está sendo levado em consideração pelos agentes de mercado?
Sim, os modelos captam que um crescimento médio de 3,5% do PIB ainda teria contribuição inflacionária, em função do nível de produtividade da economia brasileira e do produto potencial (capacidade de crescimento sustentado da economia sem pressionar a inflação, que está em 2% ao ano). Por isso, na ausência de uma elevação rápida da produtividade da economia brasileira e de um choque fiscal mais consistente, o ajuste para desacelerar a inflação tende a sobrecarregar as políticas de juros e de câmbio conduzidas pelo Banco Central.
Sistematicamente, o mercado financeiro tem errado nas previsões econômicas para o Brasil. Neste ano, por exemplo, o PIB crescerá mais de 3%, quando a estimativa inicial era de 1,7%. Como explica isso?
Creio que, em parte, os impactos da expansão fiscal, incluindo, nesse ponto, o aumento do déficit público nominal (que leva em conta os gastos com juros), têm sido subestimados, assim como os efeitos dos ciclos de alta da taxa de juros para reduzir ritmo de crescimento, menos intensos do que imaginava. Não podemos relativizar também o impacto de reformas estruturais sobre o crescimento econômico nos últimos anos, que elevaram a produtividade geral da economia brasileira, mas, provavelmente, não têm sido captadas de forma plena nos modelos para previsões
Há uma politização geral na visão do mercado financeiro, a ponto de isso se sobrepor ao que mostra a economia real?
A deterioração das expectativas captada no mercado financeiro está mais associada ao fato de que o ritmo atual de crescimento elevado da economia não é sustentável para a convergência da inflação para a meta estipulada (3% ao ano) e também à percepção de que o Governo não fará o ajuste fiscal, com cortes de despesas suficiente para estabilizar a relação entre a dívida pública bruta e o Produto Interno Bruto (PIB). Não seria uma politização propriamente dita, mas uma avaliação técnica e racional da gestão de investimentos de que a situação fiscal ainda gera incertezas.
Por que o Governo não consegue se comunicar com o mercado? Há má vontade dos dois lados?
Não vejo má vontade dos dois lados. O que ocorreu é que a elaboração do recente pacote fiscal e a sua tramitação no Congresso demoraram mais que o desejado, na medida em que se aproximava o recesso legislativo. Além disso, o ajuste fiscal proposto (de R$ 70 bilhões em cortes de despesas) frustrou as expectativas e minou a comunicação do Governo com o mercado, o que gerou a aceleração do dólar para um nível superior a R$ 6, mesmo com sinais de aumento dos juros.
O mercado já tinha percebido que a elevação das despesas com juros da dívida mais que compensaria o ajuste do resultado fiscal primário, ou seja, a dívida pública e o déficit nominal do setor público aumentariam ainda mais no biênio 2025-2026. De uma certa forma, a venda de dólares pelo Banco Central e a menor oferta de títulos públicos em reais pelo Tesouro Nacional podem amenizar um pouco o crescimento da dívida, mas ainda não resultaram na reversão da alta esperada do endividamento do país. Creio que o problema tem sido mais do timing da reação do Governo para um choque fiscal mais forte e consistente.
Quais são suas projeções para o Brasil em 2025, em termos econômicos?
Persisto avaliando que o impacto da alta do dólar está sendo subestimado sobre os preços em 2025. Estimo inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 5,92%, considerando um dólar médio de R$ 5,87, dentre outros parâmetros do modelo. Essa inflação é significativamente superior ao teto da meta (4,5%) e da atual mediana de 4,84% das pesquisas de mercado. Com a política de venda de dólares pelo Banco Central sendo utilizada também nos próximos meses, a taxa de juros (Selic) poderia se situar entre 14,75% e 15% ao ano até dezembro de 2025.
Já o crescimento econômico deve se desacelerar com mais intensidade no segundo trimestre de 2025, com o PIB fechando o ano com aumento real de 2,37%, no cenário central. No cenário mais benigno, o dólar pode oscilar na faixa de R$ 6, mas, nas condições atuais de temperatura e pressão, trabalharia com um cenário ainda de volatilidade cambial acentuada, que pode manter, no curto prazo, a curva do mercado precificando a moeda norte-americana entre R$ 6,50 e R$ 7.
Qual será o impacto da alta dos juros sobre a atividade? Até que patamar o Banco Central levará a taxa Selic?
A elevação da taxa básica de juros é restritiva para o mercado de crédito, com aumento dos custos na ponta do consumidor e maior dificuldade de pagamento dos empréstimos. Ou seja, mais inadimplência e menor consumo das famílias. Estou prevendo um impacto de desaceleração real do PIB de pelo menos 1 ponto percentual em 2025, de 3,54% para 2,37%
No modelo em que projeto o nível da taxa de juros adequada para reduzir determinado nível da inflação, a Taxa Selic deveria atingir 16,75% no término do atual ajuste, para que a inflação estimada fique um pouco acima de 4,5%. Uma coisa é o que acho que seria mais adequado, outra, é o que de fato o Banco Central fará com a taxa de juros. Acredito que a Taxa Selic ficará entre 15,5% e 15,75%, para uma tentativa de flexibilização pelo BC para 14,5% até o final de 2025. Mas, claro, tudo vai depender de como estarão as expectativas de inflação e o nível do dólar.
Acho pouco provável que o Comitê de Política Monetária (Copom) eleve a os juros para um nível superior a 16% ao ano, pois o Banco Central tem mostrado que priorizará também a venda de dólares para reduzir a inflação — já foram quase US$ 30 bilhões em dezembro.
O Banco Central sob o comando da Gabriel Galípolo terá a credibilidade que precisa para manter a inflação na meta?
A sinalização na última decisão do Copom de que a Taxa Selic subirá 1 ponto percentual em janeiro e mais 1 ponto em março, para 14,25%, foi relevante para a credibilidade do Banco Central. Foi uma forma de apontar ao mercado que a condução da política monetária não sofrerá pressões políticas que dificultem o controle da inflação. As recentes declarações do Presidente Lula também reforçam essa linha.
Entretanto, isso não significa que a inflação convergirá para a meta, pois, a despeito do aumento já contratado dos juros, a mediana das expectativas de inflação para 2025 não se estabilizou, sendo que, na última pesquisa Focus do BC, aumentou de 4,60% para 4,84%. Quer dizer: teremos outro descumprimento da meta no próximo ano.
De acordo com as simulações do meu modelo econométrico, considerando um dólar médio de R$ 5,87 e crescimento real do PIB de 2,5%, prevejo um IPCA de 5,92%, com limite superior de 6,12% para 2025, portanto, acima das atuais expectativas do mercado. A mediana do IPCA para 2026 se estabilizou em 4,0%, mas reitero que essa projeção está subestimada, pois o grau de persistência inflacionária no Brasil estaria na faixa de 4,67%.
A percepção do mercado é de que a elevação da taxa de juros não será eficaz para garantir a redução da inflação futura à meta. Já estaríamos no ciclo de dominância fiscal, em que o simples aumento dos juros não é suficiente para reduzir a inflação. Para reverter esse quadro, será necessário um forte ajuste fiscal, que gere um superávit primário entre 3,1% e 3,3% do PIB para estabilizar a dívida pública bruta em 80% do PIB.