Quando um carro anda numa auto-estrada, desprende-se dos pneus uma pulverização fina de microplásticos. Quando lavamos a roupa, milhões de minúsculas microfibras sintéticas são despejadas nos cursos de água. E esses pequenos pedaços de plástico podem estar a prejudicar a nossa saúde, segundo um novo estudo.
Num artigo recente publicado na revista Environmental Science and Technology, investigadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, nos Estados Unidos, avaliaram dezenas de estudos em ratos e seres humanos para saber como os microplásticos podem estar a prejudicar a saúde digestiva, respiratória e reprodutiva. Descobriram que estes fragmentos – que estão agora praticamente em toda a parte, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos e os alimentos que comemos – são suspeitos de estarem ligados ao cancro do cólon e do pulmão.
“Esta revisão sistemática é uma das avaliações mais actualizadas disponíveis neste momento”, afirma Luís Fernando Amato-Lourenço, investigador de pós-doutoramento na Universidade Livre de Berlim, Alemanha, que estuda os microplásticos no corpo e não esteve envolvido no estudo.
Os cientistas estão a tentar compreender o impacto dos microplásticos na saúde, que nos últimos anos têm sido encontrados nos testículos, na placenta, nos pulmões e em muitos outros órgãos. A produção de plásticos também está a aumentar rapidamente – a distribuição destes produtos, que são maioritariamente feitos a partir de combustíveis fósseis, duplicou desde o início da década de 2000 e espera-se que triplique até 2060.
Ainda assim, são poucos os estudos que analisam a forma como os microplásticos prejudicam a saúde das pessoas. Este ano, uma investigação revelou que os doentes com mais microplásticos numa determinada artéria tinham maior probabilidade de sofrer um ataque cardíaco, um acidente vascular cerebral ou morte por qualquer causa.
Para avaliar os riscos para os seres humanos, os investigadores examinaram milhares de estudos, principalmente em ratos, que avaliaram a exposição a microplásticos e os seus impactos em três sistemas dos organismos vivos: digestivo, respiratório e reprodutivo. Procuraram provas de alterações no cólon e nos pulmões, bem como sinais de que os microplásticos estavam a ter efeitos carcinogénicos ou cancerígenos. Estes incluíam inflamação crónica e stress oxidativo, que consiste num desequilíbrio dos antioxidantes no corpo.
Os cientistas concluíram que existem provas que ligam os microplásticos ao cancro do pulmão e do cólon, bem como a alguns problemas reprodutivos. “Estes são basicamente mecanismos biológicos que já demonstraram fazer parte da ligação entre a exposição a produtos químicos e o cancro”, afirmou Tracey Woodruff, co-autora do estudo, professora da Universidade da Califórnia e e directora do Centro de Saúde Reprodutiva e Ambiente na mesma instituição.
Um passo de um longo processo
O estudo é apenas um passo num longo processo para determinar o que, exactamente, os microplásticos fazem à saúde humana. Trata-se de um problema complexo: existem dezenas de tipos de plástico, que se podem partir em diferentes formas quando expostos ao sol e ao vento. Ao mesmo tempo, esses plásticos podem incluir milhares de aditivos químicos – cada um dos quais pode também ter um efeito na saúde.
Os cientistas suspeitam que os microplásticos possam estar ligados a algumas doenças que têm vindo a aumentar nas últimas décadas. Actualmente, o número de adultos com menos de 55 anos diagnosticados com cancro do cólon é o dobro do que há uma década. A taxa de cancro do pulmão entre os não fumadores também está a aumentar. “É importante concentrarmo-nos nos efeitos na saúde que vemos aumentar na população”, afirmou Woodruff.
Existem limitações à investigação actual. A maioria dos estudos incluídos na revisão analisou um tipo específico de microplástico – polímeros esféricos que são mais fáceis de testar e utilizar em laboratório pelos investigadores. Mas os especialistas sabem que a maioria dos microplásticos no ambiente são fragmentos que se desprenderam dos objectos de plástico ao longo do tempo. Os estudos em ratos também tendem a utilizar doses mais elevadas do que aquelas a que os seres humanos podem estar expostos, embora seja difícil criar uma relação exacta de um para um.
Alguns investigadores não envolvidos no novo estudo elogiaram-no como um avanço significativo. “A conclusão de que a exposição a microplásticos é um perigo 'suspeito' para os sistemas digestivo, reprodutivo e respiratório dos seres humanos representa, na minha opinião, uma posição mais forte do que muitas revisões anteriores”, afirmou Amato-Lourenço.
Outros receiam, contudo, que as conclusões sejam prematuras. “Ainda estamos a aprender sobre a natureza dos plásticos no corpo humano e há muita investigação publicada baseada em suposições duvidosas”, disse o toxicologista Matthew Campen, numa resposta por email.
“Não estou a criticar esses trabalhos, porque temos de começar por algum lado, mas usar os dados desses estudos para avaliar a saúde humana é demasiado extemporâneo”, afirma Matthew Campen, que é professor na Universidade do Novo México, nos Estados Unidos.
“Os cientistas concordam que os microplásticos são uma questão complexa e trabalham para estabelecer protocolos para caracterizar adequadamente os microplásticos que estão a testar”, disse Kimberly Wise White, vice-presidente de assuntos regulatórios e científicos do Conselho Americano de Química, um grupo que representa a indústria de plásticos. “Infelizmente, esta revisão rápida não parece incluir estas considerações, pondo em causa a validade e a qualidade das conclusões”, acrescenta a responsável.
Existem poucas leis em todo o mundo que protejam os consumidores dos microplásticos presentes nos alimentos, na água e no ar. Um número crescente de cientistas tem vindo a insistir na acção dos decisores políticos, pedindo aos governos que considerem os plásticos como potencialmente nocivos.
No mês passado, as negociações para um tratado global sobre plásticos, que poderia ter restringido a produção, fracassaram em Busan, na Coreia do Sul. “O governo fica à espera”, disse Woodruff. “E enquanto esperamos, a exposição não só continua como deverá aumentar.”