Alemanha discute falhas de prevenção de ataque a mercado de Natal

Especialista sublinha que perfis de atacantes encaixam cada vez menos em categorias rígidas, como o autor deste ataque, um saudita anti-islão e simpatizante da AfD.

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Memorial às vítimas do ataque do mercado de Natal de Magdeburgo Axel Schmidt / REUTERS,Axel Schmidt / REUTERS
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Na Alemanha em pré-campanha eleitoral continuava a ser dissecado o atentado no mercado de Natal de Magdeburgo, em que morreram quatro mulheres e uma criança de nove anos, e em que mais de 200 pessoas ficaram feridas, algumas com gravidade.

O ataque foi levado a cabo por um homem saudita anti-islão, apoiante de ideias do partido cada vez mais extremista Alternativa para a Alemanha (AfD), e que achava ser perseguido pelas autoridades alemãs: sabe-se agora que não só houve alertas das autoridades sauditas em relação a Taleb A., como um aviso de uma pessoa individual sobre ele (a identificação do suspeito nos media alemães segue a regra de não divulgar apelidos de suspeitos ou acusados antes da sua condenação).

E num local onde trabalhou, chegou-se a suspeitar de que Taleb A. poderia nem sequer ser psiquiatra, segundo relatos de antigos colegas num centro de cuidados a reclusos perto de Magdeburgo, citados pelo diário Mitteldeutsche Zeitung.

O saudita era conhecido como “Dr. Google”, por diagnósticos que pareciam saídos de motores de busca, errados, e vários outros problemas, incluindo ter dito a uma pessoa viciada em drogas que podia beber álcool, mas não comer mel, ou ainda por ter prescrito medicamentos que, se tivessem sido tomados, teriam posto em risco a vida de pacientes, contaram antigos colegas. Havia mais queixas contra ele e vários doentes recusavam-se a ser vistos por ele.

A perplexidade deve-se não só a este, mas a vários outros aspectos deste caso, sobretudo um autor de um ataque que sai dos típicos perfis rígidos – extremista de direita, de esquerda, islamista –, sublinha o especialista em terrorismo Peter R. Neumann numa entrevista à revista Der Spiegel. Neumann diz que o número de atacantes aparentemente confusos, com motivos idiossincráticos e com sinais de doença mental está a aumentar e que as autoridades têm de saber lidar com este desenvolvimento.

Neumann aponta ainda o falhanço das autoridades alemãs, repetidas vezes alertadas pelas autoridades sauditas, em fazer passar informação recebida e considerar alguma acção, mas não havia informação suficiente para perceber, como diz a emissora Deutsche Welle, se o Governo saudita pediu a sua extradição por este ser um crítico do regime ou por achar que era um perigo para a segurança pública.

Houve ainda um aviso feito por alguém em nome individual ao Gabinete Federal para a Migração e Refugiados – Taleb A. tinha visto o seu pedido de asilo aceite por risco de perseguição – e a agência diz que levou o alerta a sério e o passou a autoridades relevantes.

Para o especialista Peter Neumann, a maior falha das autoridades esteve, no entanto, em algo muito mais concreto: a disposição das barreiras de protecção do mercado de Natal, que deixavam uma via aberta (esta era, dizem os responsáveis da cidade, necessária para potencial acesso de veículos de emergência; outros especialistas dizem que a parte não protegida por blocos de cimento poderia ter, por exemplo, um veículo policial a servir de barreira).

Neumann sublinha que não há hipótese de ter 100% segurança, mas critica o facto de ter sido possível um ataque com um método igual que, em 2016, atingiu o mercado de Natal de Breitscheidplatz em Berlim.

Em plena pré-campanha para as eleições de Fevereiro, o ataque foi logo usado pela AfD – apesar de o autor do ataque ser simpatizante das suas ideias anti-imigração e anti-islão. O partido planeou um protesto em Magdeburgo para defender “uma política de migração restritiva e deportações consistentes”. Em resposta, um colectivo prometeu para o mesmo dia uma cadeia humana contra o ódio.

Os dois partidos do centro não ficaram imunes à discussão: a ministra do Interior Nancy Faeser, do Partido Social-Democrata (SPD), em terceiro nas sondagens, pediu mais poder para a polícia e abertura para vigilância biométrica (neste momento impossibilitada pela lei de protecção de dados). A União Democrata-Cristã (CDU), que está destacada em primeiro lugar nas sondagens, propôs, através do seu porta-voz para a Justiça, Günter Krings, mais poder para os serviços de informação e espionagem.

Na cidade de Bremerhaven, entretanto, foi detido um homem que tinha prometido, num vídeo na rede social TikTok, atacar pessoas com aparência árabe ou do Mediterrâneo no mercado de Natal da cidade.

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