Associação de apoio aos reclusos diz que falhas de água no Linhó mostram condições desumanas das prisões

APAR espera que episódio alerte políticos para a realidade do sistema prisional português, que diz estar “ao nível do terceiro mundo”. E louva o “comportamento absolutamente exemplar” dos reclusos.

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Prisão do Linhó acolhe cerca de 500 reclusos e um efectivo de 116 guardas prisionais, que estão em greve parcial até 10 de Janeiro em protesto por falta de condições de segurança Paulo Pimenta
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A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) felicitou os reclusos do Linhó pelo "comportamento absolutamente exemplar" ao longo de sete dias de falhas no abastecimento de água, episódio que mostrou as "condições desumanas" do sistema prisional.

"Se algo de positivo saiu desta semana terrível para os reclusos, e seus familiares, foi o facto de, hoje, serem bem conhecidas as condições desumanas em que vivem os reclusos desta prisão, como de tantas outras espalhadas pelo país", defendeu a APAR em comunicado divulgado este domingo.

O abastecimento de água no Estabelecimento Prisional do Linhó, em Sintra, que estava condicionado desde domingo, foi restabelecido no sábado depois de resolvidas as sucessivas rupturas, adiantou no sábado a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).

"A APAR espera que este episódio possa alertar os políticos para a realidade do nosso sistema prisional, ao nível do terceiro mundo, e os faça prestar alguma atenção a uma situação que nos devia envergonhar e é criticada por toda a comunidade internacional", afirma a associação.

No comunicado, a APAR refere que no sábado os 500 reclusos já puderam tomar banho (ainda que de água fria), limpar celas e desinfectar sanitários.

Congratulou-se "pelo comportamento absolutamente exemplar da comunidade reclusa que, apesar de viver sete dias em condições ainda mais degradantes do que o habitual, soube protestar dentro da legalidade e não enveredando pela violência, apesar das informações constantes de que se previa um motim e de haver 'forças especiais' de prevenção prontas a agir pela força caso a revolta acontecesse".

Felicitou ainda os guardas prisionais pelo "exemplar trabalho" e "constante diálogo" com os reclusos, referindo ainda a presença constante do director-geral da DGRSP, Orlando Carvalho, no estabelecimento prisional.

Segundo a associação, a Direcção-Geral, apesar de "ir tentando desvalorizar o gravíssimo problema que se vivia na cadeia, tudo fez para o resolver".

A APAR espera ainda que aconteça uma "limpeza profunda" no estabelecimento prisional do Linhó, nomeadamente uma desratização que ponha fim a uma "praga de muitas centenas de ratazanas, "autêntico flagelo que põe em causa a saúde de todos quantos ocupam aquele espaço".

Ao longo de uma semana, esta prisão teve problemas no abastecimento de água, tendo a situação sido parcialmente resolvida na quarta-feira, retomando o fornecimento canalizado, mas de forma seccionada por terem sido detectadas novas falhas na canalização que não permitiam uma pressão de água constante em toda a prisão em simultâneo.

A fuga principal teve origem numa conduta improvisada há alguns anos numa canalização principal, com ferro em junção com PVC, que não respeitava as normas técnicas, de acordo com informação divulgada no sábado pelo Ministério da Justiça e pela DGRSP.

Na nota, a DGRSP contou que na segunda-feira a redução da pressão da água no estabelecimento prisional indiciou a existência de uma ruptura, tendo sido iniciados os trabalhos para a localizar.

E, desde esse dia, verificaram-se diversas rupturas que foram sendo reparadas, sem que o problema ficasse resolvido.

No estabelecimento prisional, onde existem cerca de 500 reclusos e um efectivo de 116 guardas prisionais, decorre uma greve dos guardas até 10 de Janeiro em protesto por falta de condições de segurança, estando em vigor os serviços mínimos, que incluem a distribuição de refeições, que não foi afectada pela questão da falta de água.

O maus estado das cadeias custou ao Estado português, entre 2018 e 2024, cerca de 823 mil euros, entre condenações e acordos amigáveis com os reclusos forçados pelas suas queixas no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. São condições de alojamento que chegam a incluir o convívio com roedores, em celas bolorentas onde se defeca à frente do parceiro por não haver sequer cortinas que resguardem o mínimo de privacidade.

Recentemente, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, reconheceu que “os grandes problemas nas prisões em Portugal têm a ver com [o facto de] o parque dos estabelecimentos prisionais estar obsoleto”.

"Já desde 2020, em quatro anos tivemos dez acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de Estrasburgo, a condenar o Estado português e sempre pelas más condições físicas em que os reclusos vivem. Ou porque estão em celas sobrelotadas, ou em celas onde o frio é insuportável, ou em estabelecimentos prisionais onde, no Verão, há muito calor e falta de água durante os longos períodos do dia. Já não são relatórios, é o que o Tribunal diz, o que está em causa são sempre condições materiais", disse.