Dois vareiros entram num café de Friburgo e conversam sobre chocolate

Jorge Cardoso nasceu em Ovar e tem tantos anos de Portugal como de Suíça. A trabalhar o chocolate, já foi duas vezes campeão do mundo na Culinary World Cup. “Fazer esculturas torna-se quase um vício.”

Manuel Roberto - 03 Outubro 2024 - SUIÇA, Friburgo. Jorge Cardoso, português, chocolatier, Mestre chocolateiro.
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Jorge Cardoso na sua loja de Friburgo Manuel Roberto
Manuel Roberto - 03 Outubro 2024 - SUIÇA, Friburgo. Jorge Cardoso, português, chocolatier, Mestre chocolateiro.
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Jorge Cardoso na sua loja de Friburgo Manuel Roberto
Manuel Roberto - 03 Outubro 2024 - SUIÇA, Friburgo. Jorge Cardoso, português, chocolatier, Mestre chocolateiro.
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Moitié-moitié.” Em Friburgo, a metade-metade aplica-se ao fondue, que é um assunto muito sério neste cantão da Suíça: moitié-moitié é um fondue com dois dos queijos que por aqui se produzem, o Gruyère, que quase dispensa apresentações, e o Vacherin. No caso de Jorge Cardoso, moitié-moitié significa que ele tem tantos anos de Portugal como de Suíça.

“Vim para cá com 17, faço 34 daqui a uns dias”, conta à Fugas à mesa do Café des Arcades, próximo da catedral de Friburgo, onde nos sentamos para comer um delicioso rösti com cogumelos e ovo. Estão então no Café des Arcades dois vareiros, Jorge e a autora destas linhas, pedem um rösti e começam a falar de chocolate.

Jorge Cardoso nasceu em Ovar e com 17 anos mudou-se para a Suíça com a família: pai, mãe e irmão. Ainda em Portugal, estudara artes gráficas mas, uma vez chegado aos arredores de Friburgo, a barreira da língua impôs algumas dificuldades. “Comecei então a trabalhar, primeiro a fazer uns trabalhos de jardinagem, depois a servir às mesas num restaurante português”, recorda. E a cozinha, que sempre estivera lá, começou a intrometer-se a sério na sua vida.

“Os meus pais tiveram um restaurante em Portugal. O meu pai é cozinheiro, a minha mãe chegou a vender bolos na praia do Furadouro. Eu próprio fazia muitos bolos com ela em casa.” Fazer uma formação de cozinha, primeiro, e logo depois outra de pastelaria acabou por ser um percurso natural.

“Trabalhei muito, muito. Tive muitas noites brancas, sete sobre sete dias, sem descanso, ao longo de dez anos. Em dez anos acho que trabalhei como se fossem 15”, desenrola Jorge Cardoso. O “enorme esforço” que fez acabou por ser recompensado: já com especialização em chocolate, acabou por ser escolhido por duas vezes, em 2018 e em 2022, para representar a Suíça na Culinary World Cup, uma competição que decorre a cada quatro anos, tendo-se sagrado, em ambas as edições, campeão do mundo na categoria de escultura artística em chocolate.

A trabalhar por conta de outrem, tornou-se assim num dos mais respeitados chocolateiros na Suíça. Até que, em 2021, decidiu arriscar e abriu a sua primeira loja em Friburgo. Fica na Rue de Lausanne, na prática a continuação da Rue de Romont, que é a principal artéria comercial da cidade. O número 17, entalado entre uma loja de roupa e uma florista (de uma portuguesa, por sinal), tem uma montra discreta, onde se lê Jorge Cardoso Chocolatier – Champion du Monde.

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Jorge Cardoso na sua loja de Friburgo Manuel Roberto

Lá dentro, nuns escassos 24 metros quadrados, sucedem-se prateleiras e prateleiras com as criações de Jorge Cardoso: as mais variadas tablettes, bombons coloridos e apetitosos, amêndoas cobertas de chocolate, tranches de laranja e chocolate negro, esquilos e cogumelos que fazem a montra de Outono, abóboras, ovelhas, mochos, cabeças de leões e de dragões, que a criatividade de Jorge não pára. Os preços são muito variados: vão dos 7,90 francos suíços das tablettes de 75 gramas aos 34,90 da cabeça de leão.

“Quase um vício”

A magia acontece no atelier de Jorge Cardoso, nos arredores de Friburgo, onde neste momento com ele trabalham dois jovens rapazes. Quando lá chegamos, por volta das 15h30, a jornada diária está quase a terminar. “Começamos muito cedo, pelas 7h”, explica Jorge. Entramos e damos de caras com uma enorme temperadora de chocolate, uma estufa de pintura – “Fui eu que a fiz”, sublinha o chocolateiro –, moldes e mais moldes de silicone alimentar. Estamos em Outubro mas aqui já se trabalha, desde Setembro, para o Natal. Aliás, Jorge já tem bem avançada a estátua de São Nicolau, padroeiro de Friburgo, que vai levar para a porta da loja.

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Quando visitámos o atelier de Jorge Cardoso já ele estava a preparar a escultura de São Nicolau para pôr à porta da loja durante a época festiva Manuel Roberto

No espaço destinado aos arrumos, dentro de uma caixa, repousa, já meio desmontada, a escultura com que Jorge Cardoso arrematou o título de chocolateiro campeão do mundo em 2022: uma vaca de leiteira às costas, montada numa bicicleta, que consumiu “horas e horas de trabalho”. É também aqui que está guardado o busto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que Jorge esculpiu. “Ao Presidente Marcelo ofereci, já este ano, um busto mais pequenino.”

A escultura que lhe deu mais notoriedade está no Funchal, no Museu CR7. É, está claro, uma escultura de Cristiano Ronaldo em tamanho real: mede 1,87m, a altura do futebolista madeirense, pesa 120 quilos e demorou “300 horas a ser feita”. Em 2022, Jorge Cardoso usou o chocolate para dar forma ao tenista suíço Roger Federer, e, já este ano, por ocasião do Festival de Chocolate de Óbidos, fez um busto de Amália Rodrigues. “A dada altura, fazer estas esculturas torna-se quase um vício”, ri-se.

Em 2026, há nova competição da Culinary World Cup e Jorge já foi assediado para representar de novo a Suíça. “Já disse que não. Agora quero focar-me no meu trabalho. No ano passado, abri também uma loja em Lausanne e tenho planos para abrir uma outra. É nisso que estou focado agora”, garante.

A Fugas viajou a convite do Turismo da Suíça

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