Chega: maioria dos bebés “em Sintra, Amadora e Odivelas” é de estrangeiras? É falso
Dados do INE desmentem afirmação do Chega. Números nesses três concelhos demonstram que a maioria dos bebés tem mães com nacionalidade portuguesa.
A frase
"Bebés de mães estrangeiras já são a maioria em Sintra, Amadora e Odivelas"
Partido Chega, 19 de Dezembro, no X
O contexto
A afirmação do partido liderado por André Ventura surgiu nas redes sociais num momento em que se debate o acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) por cidadãos estrangeiros. A 12 de Dezembro, o PSD e o CDS apresentaram um projecto de lei com vista a alterar a Lei de Bases da Saúde para restringir o acesso ao sistema público de saúde. A proposta foi aprovada pelo Parlamento já esta quinta-feira, 19 de Dezembro, obrigando os cidadãos estrangeiros não residentes em Portugal a apresentarem um "comprovativo de cobertura de cuidados de saúde" e "documentação" para serem assistidos no SNS.
Ao mesmo tempo, foram também aprovadas duas iniciativas do Chega relativas ao mesmo assunto. Uma estabelece que os estrangeiros, apátridas, migrantes em situação irregular e requerentes de protecção internacional cujo pedido ainda não foi deferido têm de pagar para aceder ao SNS, excepto em situações de emergência. A outra determina que os cidadãos estrangeiros não residentes têm de pagar "as taxas moderadoras ou os custos integrais dos actos" médicos, quer tenham recorrido ao SNS numa situação de emergência ou não.
As novas regras encolheram assim a população que pode aceder gratuitamente ao SNS às pessoas com "situação de permanência regular em território nacional ou em situação de estada ou em situação de residência temporária em Portugal, que sejam nacionais de Estados-membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros, bem como apátridas ou requerentes de protecção internacional”.
O debate sobre o direito ao acesso ao sistema público e gratuito de saúde surgiu depois de um relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) ter afirmado que mais de 102 mil estrangeiros não residentes em Portugal foram assistidos nas urgência dos hospitais do SNS no ano passado. De 1 de Janeiro de 2021 a 30 de Setembro deste ano foram atendidas quase 330 mil pessoas estrangeiras não residentes no SNS. Quatro em cada 10 (42,3%) não estavam abrangidas por seguros, protocolos, convenções internacionais, acordos de cooperação ou Cartão Europeu de Seguro de Doença, dificultando a cobrança dos custos da assistência médica aos países de origem.
Estes números reacenderam a discussão sobre se Portugal era um destino do chamado "turismo de saúde”, a que os estrangeiros acorriam para aceder a tratamentos médicos gratuitos ou mais baratos do que nos seus países de origem — incluindo o parto. E é nesse âmbito que surgem as alegações que o Chega publicou na rede social X poucas horas antes da votação em Parlamento das suas iniciativas sobre o acesso ao SNS.
Os factos
Mas os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) publicados a 30 de Abril deste ano e referentes a todo o ano passado desmentem que os bebés de mães estrangeiras sejam a maioria nos municípios indicados pelo Chega na publicação efectuada no X. Isso aconteceu noutros três municípios portugueses: Aljezur, Odemira e Albufeira. Estes são os dados mais recentes disponibilizados pelo INE.
De acordo com os dados mais recentes, 63,1% dos nados-vivos contabilizados em Aljezur nasceram de mãe estrangeira: dos 65 bebés cujas mães vivem naquele município algarvio, 24 têm progenitora portuguesa (36,9%) e 41 nasceram de uma mulher sem nacionalidade portuguesa. Algo semelhante acontece nos outros dois municípios: em Odemira, contabilizaram-se 170 nados-vivos com mães estrangeiras (61,8%) e 105 cujas mães são portuguesas (38,2%). Em Albufeira, houve 280 bebés cujas mães não têm nacionalidade portuguesa (52,3%) e 255 (47,7%) nasceram de mães com nacionalidade portuguesa.
Não é o que acontece em Sintra, Amadora ou Odivelas. No primeiro município, só 39,1% dos nados-vivos cujas mães vivem em Sintra não tinham nacionalidade portuguesa (1701 bebés), enquanto 60,9% dos bebés nasceram de progenitoras portuguesas (2647 crianças). Na Amadora, 1121 nados-vivos nasceram de mães portuguesas (55,5%) e só 900 têm mãe estrangeira (44,5%). E em Odivelas, 1092 nados-vivos têm mãe com nacionalidade portuguesa (59,9%), enquanto 730 têm mãe de nacionalidade estrangeira (40,1%).
Não é surpreendente que Aljezur, Odemira e Albufeira registem mais bebés nascidos de mães de nacionalidade estrangeira do que de mães com nacionalidade portuguesa: afinal, estes são três dos concelhos que mais imigrantes acolhem no panorama nacional. Prova disso é que, olhando para os números de nados-vivos em função da naturalidade (e não da nacionalidade) da mãe, Aljezur, Odemira e Albufeira também surgem no topo da tabela.
Sintra, Amadora ou Odivelas, os municípios que o Chega decidiu destacar, só surgem a seguir. Em todos eles se confirma que a maioria dos nados-vivos ali registados pelo INE tem mães que, por terem nascido no estrangeiro, não têm naturalidade portuguesa: são 56,2% dos casos na Amadora, 52,1% em Sintra e 50,5% em Odivelas. Mas isso não significa que elas não têm a nacionalidade portuguesa. Pelo contrário, os números analisados pelo PÚBLICO comprovam precisamente que a maioria destas mulheres, não tendo naturalidade registada em Portugal, tem ainda assim nacionalidade portuguesa.
O veredicto
É falso que os bebés de mães estrangeiras sejam a maioria em Sintra, Amadora e Odivelas. Os números do INE referentes ao ano passado comprovam que a maioria dos nados-vivos registados nesses três municípios têm mães com nacionalidade portuguesa, mesmo que algumas delas tenham naturalidade estrangeira. Os únicos três municípios onde isso não se confirma são Aljezur, Odemira e Albufeira, localidades com uma importante comunidade imigrante que não foram mencionadas pelo partido de André Ventura.