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Parlamento abrirá as portas de Portugal para brasileiros e outros cidadãos da CPLP
Está prevista para esta sexta a votação, na Assembleia da República, da proposta que facilita a entrada de cidadãos dos países de língua portuguesa no país. Cadeado do sistema da AIMA será aberto.
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A Assembleia da República deve votar, nesta sexta-feira (20/12), a proposta do Governo, enviada há seis meses, que torna mais flexíveis os pedidos de autorização de residência em Portugal pelos cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Pelo projeto, que já passou pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os brasileiros e os timorenses poderão entrar em território luso como turistas e, no país, requererem a permissão para morar, trabalhar ou estudar. No caso dos demais cidadãos da CPLP, todos deverão apresentar vistos na entrada em Portugal, mas também poderão recorrer às autorizações de residência.
Todo o processo, porém, terá de ser realizado pelo portal da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Em 2022, quando foi criado o título de residência da CPLP em acordo firmado com Portugal, aventou-se a possibilidade de os cidadãos da comunidade pedirem a autorização de residência eletronicamente. Mas o espaço para essas requisições nunca foi aberto efetivamente. Em seu lugar, aparece um cadeado fechado. A perspectiva é de que essa tranca finalmente se abra no próximo ano, tão logo as alterações nos títulos da CPLP sejam aprovadas pelo Parlamento e ratificadas pelo presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.
O texto que altera o artigo 75 da Lei 23/2007, que será apreciado pelos deputados, diz o seguinte: "Quando o requerente for abrangido pelo Acordo CPLP e for titular de um visto de curta duração ou tenha uma entrada legal em território nacional, pode solicitar uma autorização de residência temporária". Na prática, a alteração na legislação prevê o seguinte: brasileiros e timorenses, que não precisam de visto de entrada em Portugal, poderão requerer a autorização de residência já em território luso; no caso dos cidadãos dos demais países da CPLP, como Angola e Moçambique, continuará sendo preciso o visto de entrada em Portugal, mesmo que de turista, para então, já no país, se fazer o pedido de residência.
Na avaliação da advogada Catarina Zuccaro, o governo português elegeu os cidadãos da CPLP como imigrantes preferenciais, particularmente, os brasileiros. “A facilidade da língua permite a integração ao país”, explica. Os próprios empresários lusos têm indicado ao Governo a importância de incentivar a entrada de brasileiros, por se encaixarem mais facilmente no perfil de trabalhadores que Portugal precisa. Essa posição do governo e do empresariado contrasta com pesquisa realizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, mostrando que cinco em cada 10 portugueses querem que diminua a presença de brasileiros em Portugal.
Para o empresário Fábio Mazza, os brasileiros têm injetado um novo ânimo na economia portuguesa. Não há, no entender dele, como Portugal continuar crescendo sem a presença de imigrantes. Entre os trabalhadores estrangeiros em território luso, os brasileiros só não são maioria na agricultura e na construção civil. “Mesmo com mais de 10% da população de Portugal sendo de imigrantes, ainda falta mão de obra em vários setores da economia”, ressalta. No turismo, há escassez de 50 mil trabalhadores, na construção civil, de 80 mil.
Filas na AIMA vão aumentar
Segundo o advogado Alfredo Roque, da VE Consultoria, com a decisão do Parlamento português de facilitar a entrada de cidadãos da CPLP no país, será preciso dar um novo reforço na estrutura de atendimento da AIMA. A razão: estima-se que entre 150 mil e 170 mil pessoas detenham títulos de residência emitidos dentro do acordo de mobilidade entre Portugal e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. “Olhando para o que se tem hoje, a AIMA não está dando conta de atender a demanda”, frisa.
Ele ressalta que, mesmo quando os advogados obtêm ações judiciais para garantir atendimento nos postos da AIMA, a demora para os agendamentos é grande. “Quando conseguimos uma decisão judicial para agendamento, a AIMA marca para o final de janeiro, começo de fevereiro. Com a entrada de mais 170 mil pessoas na fila da agência, ficará complicado se não houver um reforço na infraestrutura”, assinala.
Pela proposta que está na Assembleia da República, todos os detentores de títulos da CPLP receberão cartões de residente de plástico, com validade de dois anos, seguindo o modelo europeu. Hoje, esses títulos estão em papel A4, sem validade nos demais países da União Europeia. “Esperamos que, tão logo o novo modelo de residência pela CPLP seja sancionado pelo presidente da República, que se derrube o cadeado no site da AIMA para agendamentos de serviços a esses cidadãos”, afirma Roque.
O advogado Diego Bove também acredita que, num primeiro momento, haverá uma nova sobrecarga sobre a AIMA com as mudanças que favorecem os cidadãos da CPLP, em especial, os brasileiros e os timorenses. "Com certeza, vai aumentar o fluxo de pessoas nas filas da AIMA e, provavelmente, haverá mais ações judiciais. “Se o Legislativo dá o direito e o Executivo não cumpre, tudo vai bater no Judiciário", prevê. "O não cumprimento dos prazos cairá na quota da AIMA, que não tem estrutura para isso", complementa.
Para ele, tem havido falta de racionalidade do funcionamento da AIMA. "Quando os imigrantes fizeram a manifestação de interesse — instrumento extinto em junho deste ano —, enviaram todos os documentos à agência. Depois, receberam um e-mail para pagar as taxas previstas em lei e tiveram de inserir novamente os documentos no sistema. Mas, quando são chamados para fazer a biometria, têm de trazer todos os documentos que já entregaram duas vezes. Isso é retrabalho", acredita.
Bove questiona, ainda, a capacidade da AIMA de entregar todos os cartões de residência aprovados no prazo máximo de 90 dias úteis. Segundo Roque, "esse prazo é jogo de cena, pois a demora na entrega dos cartões pode chegar a um ano".
Em recente entrevista, o presidente da AIMA, Pedro Portugal Gaspar, disse que serão contratados pelo menos mais 400 servidores para reforçar o quadro de pessoal e agilizar os atendimentos. Pelos cálculos dele, dos 450 mil processos que estão à espera de solução, 150 mil já estão em tramitação e 108 mil foram rejeitados, mas passarão por uma segunda rodada, para que os imigrantes possam resolver as pendências e pagar as taxas exigidas em lei.