Prova dos factos
O TikTok e as eleições, o vídeo contra islâmicos e as ditaduras campeãs da fraude
Escrutinamos o que corre sem filtro no espaço público.
Ocorreu um erro. Por favor volta a tentar.
Subscreveu a newsletter Prova dos factos. Veja as outras newsletters que temos para si.
Imagine que acorda, pega no telemóvel e que a primeira notificação lhe dá a notícia que o deixa colado ao ecrã. Crítico da NATO e da ajuda à Ucrânia, o candidato ao qual as sondagens davam 10% das intenções de voto tinha vencido a primeira volta das eleições presidenciais. Como é que isto pode ter acontecido?
O Tribunal Constitucional decide mesmo invalidar o resultado das eleições à luz de um relatório classificado que acusa a Rússia de ter levado a cabo uma campanha de desinformação e manipulação através das redes sociais para o favorecer, nomeadamente através do Tik Tok. Aconteceu na Roménia, no início deste mês. E como lhe conta em primeira mão a Marta Leite Ferreira, aquela rede social já respondeu à ordem de retenção de dados emitida pela Comissão Europeia e está a colaborar com as autoridades europeias na investigação sobre os riscos de interferência da rede social em processos eleitorais.
Calin Georgescu, um ultranacionalista conhecido por elogiar o Kremlin, alcançou 22,9% na primeira volta das presidenciais de domingo e os habituais comentadores televisivos ficaram em choque. A candidata de centro-direita Elena Lasconi, ficou-se pelos 19%, seguida por aquele que era de facto o favorito na corrida: o primeiro-ministro, o social-democrata Marcel Ciolacu.
"Islâmicos humilham cristãos"?
As redes sociais são o viveiro privilegiado da desinformação. Foi ao X, antigo Twitter, que recorreu o presidente do Chega, André Ventura, para publicar um vídeo no qual se podem ver pessoas a trepar uma árvore de Natal num centro comercial e onde se lê "Islâmicos humilham cristãos". "É assim que esta imigração se quer integrar? Ou respeitam a nossa cultura ou podem regressar para o país de onde saíram! #SalvarPortugal", escreveu Ventura. A publicação incendiou rapidamente o X, com vários utilizadores a criticarem os intervenientes por atentarem contra a cultura cristã.
Mas o PÚBLICO foi avaliar os factos. E os factos, como escreveu Leonor Alhinho, dizem que este vídeo circula nas redes sociais pelo menos desde 2016. Nessa altura, o Snopes – um site de fact checking – já esclarecia que o vídeo não tinha sido filmado nem no EUA, nem na Suécia, países a que se atribuía o vídeo nas redes sociais. Tem sido reutilizado para sugerir o desrespeito da comunidade muçulmana pelas tradições cristãs. A publicação de André Ventura é, por isso, falsa.
Advogados oficiosos para vítimas de violência doméstica
Uma outra Prova dos Factos do PÚBLICO avaliou as declarações de uma deputada do Chega. Cristina Rodrigues argumentou, num Fórum TSF de Novembro, que o PS tem, reiteradamente, rejeitado uma proposta do Chega que visa assegurar a nomeação de um advogado oficioso para as vítimas de violência doméstica, através de um sistema de escalas de prevenção. Mas a Joana Mesquita conta-lhe que em 2023 o PS e PSD votaram contra o projecto de lei do Chega que pretendia assegurar a nomeação de um advogado oficioso para vítimas especialmente vulneráveis. Acabou rejeitado. Esse foi o único, já que as restantes propostas não foram submetidas a votação. E por isso, as declarações de Cristina Rodrigues são parcialmente verdadeiras.
A desinformação e a mentira são típicas de alguns regimes. Os países campeões da fraude científica são ditaduras, como escreveu o bioquímico e divulgador de ciência, David Marçal.
Há toda uma indústria de falsificação com fabricação de artigos. Um indicador de má conduta científica é o número de retractações de artigos científicos. A base de dados da Retraction Watch tem registados mais de 50.000 artigos retractados, muitos relacionados com a covid-19. O país com maior taxa de retractações é a Arábia Saudita, seguido pelo Paquistão, a Rússia, a China, o Egipto, a Malásia, o Irão, e a Índia (15,2).
E por fim, passando das ditaduras para aquela que é conhecida como a "Terra da Liberdade" e da democracia, na certeza de que a "América não é o melhor país do Mundo" — a um mês que estamos da mudança de liderança para as mãos de Donald Trump (já agora, leia de novo o texto que publicamos sobre as teorias da conspiração que Trump usou durante a campanha eleitoral).
No primeiro episódio da série Newsroom (2012) Will McAvoy (Jeff Daniels), o principal pivot do noticiário de uma estação televisiva, ainda acede com complacência a responder à pergunta de uma jovem universitária num debate: "Podem dizer-me porque é que acham que a América é o melhor país do Mundo?". "[Por causa dos] New York Jets", respondeu, recorrendo à ironia para se desviar do assunto. Mas depois acaba por responder, irado. "Para o caso de um dia se vir numa mesa de voto, há algumas coisas que deve saber e uma delas é que não há nenhuma prova de que o América é o melhor país do Mundo. Estamos em sétimo lugar quanto à literacia, 27.º na matemática, 22.º na ciência, 49.ª na esperança de vida, 178.º na mortalidade infantil, 3.º no rendimento médio por lar, 4.º na força de trabalho e 4.º nas exportações. Lideramos o mundo em três categorias: número de cidadãos presos per capita, número de adultos que acreditam que os anjos existem e na despesa gasta com a defesa militar. […] Nada disso é culpa de uma estudante de 20 anos, (…) mas quando pergunta o que faz da América o melhor país do mundo não sei do que raio está a falar. O Parque Nacional de Yosemite??"
Veja aqui mais algumas Provas de Factos:
- André Ventura "venceu todos os processos" em tribunal, como afirmou? Não.
- Evadido de Vale de Judeus: não, esta não é primeira foto da detenção de Fábio Loureiro
Obrigado por acompanhar o PÚBLICO e a Prova dos Factos. Boa semana!