A França acelerou as operações de socorro ao seu território ultramarino de Mayotte, devastado por um ciclone, com 120 toneladas de alimentos a serem distribuídas esta quarta-feira a uma população em risco de fome e doença.
Aquele arquipélago do oceano Índico, o território ultramarino mais pobre da França, passou a primeira noite sob um recolher obrigatório decretado em resposta aos relatos de pilhagem e desordem após a passagem do ciclone Chido no fim-de-semana.
Na manhã de quarta-feira, os habitantes da capital, Mamoudzou, cujas casas sobreviveram à tempestade martelavam chapas de metal para cobrir os telhados danificados. Milhares de cabanas mais frágeis nos bairros de lata da cidade foram completamente arrasadas, deixando campos de terra e detritos.
Centenas ou mesmo milhares de pessoas poderão ter morrido devido ao ciclone, a tempestade mais forte a atingir Mayotte nos últimos 90 anos, segundo as autoridades francesas. O Chido também matou pelo menos 34 pessoas em Moçambique e outras sete no Malawi, depois de atingir o continente africano.
No entanto, até ao momento, só foram confirmadas 22 mortes registadas nos hospitais, uma vez que muitas zonas são inacessíveis e algumas vítimas podem ter sido enterradas antes de as suas mortes serem contabilizadas, segundo as autoridades.
“Não posso dar um número de mortos, porque não sei. Receio que o número de mortos seja demasiado elevado”, declarou o ministro do Interior em exercício, Bruno Retailleau, à BFMTV, na quarta-feira.
Retailleau acrescentou que dois gendarmes (força militar francesa) foram feridos durante a noite por projécteis, durante o recolher obrigatório decretado na terça-feira, em resposta às pilhagens e à falta de cumprimento da lei. Mayotte é o território ultramarino mais pobre de França e tem sofrido repetidos episódios de agitação nos últimos anos.
O Papa Francisco mencionou a tempestade durante a sua audiência semanal no Vaticano, pedindo a Deus que “conceda descanso aos que perderam a vida, a assistência necessária aos necessitados e conforto às famílias que foram afectadas”.
Hospitais preparam-se para um surto de doenças
Os profissionais de saúde dizem que se estão a preparar para um surto de doenças, uma vez que os cadáveres não são recuperados e as pessoas lutam para ter acesso a água potável. O Governo francês informou na terça-feira à noite que não havia surtos até à data.
O Governo anunciou ainda que estava a enviar mantimentos através de uma ponte aérea do seu outro território do oceano Índico, a ilha da Reunião. Cerca de 100 toneladas de alimentos deveriam ser distribuídas na quarta-feira na ilha maior de Grande-Terre e outras 20 toneladas na ilha mais pequena de Petite-Terre.
O Presidente Emmanuel Macron visitará Mayotte na quinta-feira. Os políticos da oposição em França criticaram o que dizem ser a negligência do Governo em relação a Mayotte e a falta de preparação para catástrofes naturais ligadas às alterações climáticas.
O ferry-boat que liga as duas principais ilhas de Mayotte retomou o serviço na quarta-feira para os civis, permitindo que algumas pessoas apanhadas pela tempestade regressassem às suas famílias. “Há cinco dias que não ouço uma palavra dos meus funcionários”, comentou um proprietário de terras que apanhou o ferry e que não quis ser identificado, em declarações prestadas à Reuters. “Voltámos à Idade da Pedra...”
Imigração clandestina
A situação torna-se ainda mais difícil devido à incerteza quanto à dimensão exacta da população de Mayotte. As estatísticas oficiais apontam para 320 mil pessoas, mas muitos acreditam que é mais elevada, devido a uma vaga de imigração clandestina, principalmente das Comores e de Madagáscar.
Alguns políticos de extrema-direita, incluindo Retailleau, do partido conservador Republicanos, apontaram o dedo à imigração ilegal, que, segundo eles, empobreceu Mayotte e a deixou com vastos bairros de lata vulneráveis a condições climatéricas extremas.
As preocupações com a imigração e a inflação ajudaram a tornar o território num reduto da direita radical, com 60% dos votos a favor de Marine Le Pen na segunda volta das eleições presidenciais de 2022.