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Novo sistema para cidadania falha, e inteligência artificial troca sexo de cidadãos
Programa instalado pelo IRN não consegue identificar uma série de informações de cidadãos que pleiteiam a nacionalidade portuguesa. Advogados que acompanham casos dizem que clientes são prejudicados.
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Há pouco mais de dois meses, o Instituto dos Registros e do Notariado (IRN) fez um grande alarde em torno da mudança no sistema pelo qual transitam os pedidos de cidadania portuguesa feitos por descendentes de cidadãos lusos e por estrangeiros que residem há mais de cinco anos no país. A promessa foi a de que, com a ajuda da Inteligência Artificial (IA), os processos, que têm demorado mais de três anos para uma solução, andariam mais rapidamente. Houve um respiro de alívio nos mais de 420 mil cidadãos que estão na fila de espera. Muitos acreditaram que a tecnologia jogaria a favor deles.
Pois, bem: documentos obtidos pelo PÚBLICO Brasil apontam que o novo sistema do IRN está cheio de furos. A Inteligência Artificial, responsável por avaliar as informações inseridas digitalmente por advogados e solicitadores na plataforma de cidadania, além de não entregar o que dela se espera, está suprimindo dados relevantes dos requerentes da nacionalidade portuguesa. Pior, em alguns casos, está trocando os sexos dos cidadãos. Num deles, o brasileiro Fernando está registrado como sendo do sexo feminino.
“São muitas as falhas que temos observado no sistema do IRN depois que houve as mudanças”, diz o advogado Alfredo Roque, da VE Consultoria. “Estamos vendo de tudo, pessoas classificadas com sexo diferente, cidadãos sem os nomes dos pais, números de documentos importantíssimos errados”, afirma.
Não só. “Fizemos as contas e constatamos que um terço dos processos em que estamos envolvidos está com falhas no sistema do IRN. Se a situação continuar desse jeito, muita gente será prejudicada, até porque a retificação de qualquer dado é quase impossível, depois de emitida a cidadania”, acrescenta Roque. Procurado, o IRN não respondeu aos questionamentos feitos pelo PÚBLICO Brasil.
Para o advogado, não é possível que um tema tão delicado esteja sendo tratado com tanto descaso. “O Governo tem por obrigação saber o que está acontecendo no IRN. Prometeu-se que, com o novo sistema, o prazo de resolução dos processos seria menor, que as pessoas seriam atendidas com maior presteza, mas o que vemos é uma falha atrás da outra”, destaca.
Pelo sistema anterior, toda a documentação apresentada pelas pessoas que desejassem a nacionalidade portuguesa era avaliada por um servidor do IRN que, depois, digitalizava tudo e o processo podia ser acompanhado online. Agora, são os advogados e os solicitadores que inserem as informações na plataforma, para análise da IA. Os funcionários do instituto só entram no processo numa segunda etapa.
Humor de servidores
As queixas em relação ao IRN se estendem ao entendimento diferenciado que os funcionários dos órgãos têm em relação à legislação. Segundo Ema Oliveira, chefe de Operações da Start! Be Global, é comum um servidor do Instituto dar uma informação sobre determinado tema e, mais adiante, outro dizer que aquele dado não estava correto.
“Esse entendimento diferente acaba dificultando o trabalho e a resolução de pendências”, ressalta Ema. A confusão é tamanha, que processos considerados prioritários, como os pedidos de filhos menores de portugueses, que deveriam ter solução em, no máximo, seis meses, estão demorando um ano.
Para Fábio Knauer, CEO da consultoria Aliança Portuguesa, há problemas por todos os lados no IRN. “Agora, estão dando prazos de apenas 30 dias para que alguma pendência nos processos seja solucionada. Como podem dar um prazo tão curto se demoram dois ou mesmo três anos para responderem aos pedidos de cidadania. Não é justo”, afirma.
Ele destaca que há documentos pedidos que demoram até 90 dias para ficar prontos, vários, tendo que vir do Brasil, por exemplo. “Temos cobrado mais tempo para responder aos questionamentos do IRN, mas há funcionários do órgão que se mostram irredutíveis em relação ao prazo de 30 dias”, diz Knauer.
CEO da Start! Be Global, Flávio Peron acredita que, independentemente de todos os problemas apresentados pelo novo sistema do IRN, é preciso dar um voto de confiança. “Tendo a acreditar que, com o passar do tempo, as distorções serão corrigidas”, frisa.
Na avaliação do advogado Renato Martins, da consultoria Martins Castro, o Governo deveria, constantemente, dar suporte aos órgãos que trabalham com migração e cidadania. “As legislações portuguesas são muito boas, contudo, só funcionarão por completo se houver a infraestrutura adequada”, assinala.
Portugal vinha, sistematicamente, facilitando o acesso à nacionalidade lusa. Em 2015, uma alteração na Lei Orgânica reduziu o tempo necessário de residência no país para se obter a cidadania: de seis para cinco anos. Em 2020, houve nova mudança na Lei Orgânica, desta vez, reduzindo os entraves para a concessão de cidadania a descendentes de portugueses, como os netos. Eles não precisavam mais provar ligações afetivas com Portugal e ganharam o direito de conceder a nacionalidade para duas gerações adiante. Com essas facilidades, os pedidos de cidadania lusa dispararam, sendo a maior parte deles, de brasileiros.