Urbanizar em solo rústico: a fatura é de todos nós

Em causa está o futuro do território nacional, da integridade das paisagens, e também da qualidade e segurança da habitação, da qualidade e segurança das nossas cidades.

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Urbanizar em solo rústico Nuno Ferreira Santos
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O tema reacendeu com o Governo a preparar um decreto-lei que quer ver promulgado pelo Presidente da República. Em causa está o futuro do território nacional, da integridade das paisagens, e também da qualidade e segurança da habitação, da qualidade e segurança das nossas cidades.

Para trás parecia ter ficado os anos de urbanização desenfreada, dos excessos do fim do século passado. O país fez progressos na contenção da expansão urbana. Mas a ideia de a fazer depender o alargamento do perímetro urbano de uma só votação na Assembleia Municipal, sem estudo de viabilidade económica ou avaliação de impacto ambiental, irá reabrir a porta à construção desmedida. Permitir que os privados proponham aos municípios a classificação dos solos, pode abrir espaço a situações de conflito de interesses, à custa do desmantelamento da paisagem e da construção avulsa de cidades-dormitório, onde até pode haver interesse em comprar casa, mas existem menos condições para sair à rua.

Ver no ordenamento do território um bloqueio à oferta de habitação abre um antecedente arriscado. Valoriza terrenos rústicos porque, eventualmente, poderão receber casas novas, numa forma de criar riqueza que, por si só, não traz desenvolvimento. Os custos são imensos, no esvaziamento dos centros urbanos, na dispersão do investimento, na ineficiência do uso do solo e no preço exorbitante da expansão de redes de infraestruturas, em cidades que engordam sem necessariamente ganhar população. Num país dominado pela pequena propriedade, pode criar situações muito caras de gerir, hipotecando o desenvolvimento regional sustentável.

Na prática, a expansão do solo urbano tem duas faces. É uma ferramenta poderosa para valorizar os terrenos, mas também tem riscos imensos, no impacto e nos riscos ambientais, ou na fatura dos investimentos em infraestruturas. No rescaldo da última crise financeira, em Espanha, os arruamentos desertos das urbanizações-fantasma foram comparados a jogos de Sim City que correram mal, mostrando que a euforia na expansão urbanística fora precipitada.

Esta revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) surge quando a sociedade ganha consciência do impacto do ordenamento do território nas vidas das pessoas: da valorização das casas e dos terrenos, às distâncias feitas diariamente, ao tempo gasto no trânsito ou à integridade da paisagem rural. Questões deste género levam várias décadas a resolver, muito além de emendas legislativas que relaxam o controlo da expansão urbana, e que em pouco tempo podem deixar marcas irreversíveis.

As cidades crescem menos por causa da legislação que se pretende mudar? Bem pelo contrário. Crescem de forma ponderada, com estudos e planos que reduzem o risco no investimento público e criam habitação nova de qualidade em bairros sustentáveis. É precisamente no ordenamento do território que se decide a diferença entre construir cidades e apenas urbanizar. Não há políticas territoriais que resolvam os constrangimentos da construção, sob pena de o país deitar a perder avanços importantes dos últimos anos.

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