Ser voluntário: nutrir almas nos cuidados paliativos

Membros essenciais das Equipas de Apoio Psicossocial do projecto Humaniza, da Fundação “la Caixa”, os voluntários “emprestam os seus ouvidos” e acções para aliviar o sofrimento de doentes e famílias.

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Assim que fecha a porta do quarto, deixando o doente a dormir, descansado, Vânia Silva Moura sente que, nessa quinta-feira de manhã, cumpriu o seu papel. “Alimenta a alma”, conta a voluntária da Equipa de Apoio Psicossocial (EAPS) do Hospital Espírito Santo, em Ponta Delgada. “Faço massagens com óleos essenciais. Levo-lhes um bocadinho de aroma, que faz restabelecer o bom humor, para diminuir a parte sofredora dos doentes”, relata a terapeuta, de 46 anos. Cada encontro na unidade de cuidados paliativos começa com uma conversa. “Estou lá para emprestar os meus ouvidos. Eles têm necessidade de comunicação. Falam dos filhos, do que faziam. Também falo de mim. Depois peço-lhes para que fiquem mais concentrados no momento, a sentir o toque e o aroma”. Se identifica que o doente está mais inquieto, recorre a um óleo mais relaxante. Se estiver mais triste, usa aromas cítricos “para deixar com melhor disposição”. Massaja-lhe a cabeça, as mãos, os braços.

Todas as quintas-feiras – o dia da semana em que nasceu e pelo qual agradece deste modo – Vânia Silva Moura compromete-se em estar lá pelo outro. “Vivemos numa sociedade que se desculpa com a falta de tempo. Se soubermos organizar, conseguimos dar um pouquinho de nós ao outro da forma como sabemos”, relata. Em 2024, o Dia Internacional do Voluntário, que a celebra e a tantos milhões de pessoas, assinalou-se também numa quinta-feira, 5 de Dezembro.

Como Vânia, dezenas de voluntários em todo o país integram estas Equipas de Apoio Psicossocial, dedicando algumas horas da sua semana a ouvir os doentes; jogar às cartas com eles; ajudá-los a fazer pequenos trajectos até uma varanda, onde podem relaxar; mimá-los, contribuindo para aumentar a auto-estima, com as suas capacidades enquanto cabeleireiros, manicure, massagistas. Ou, simplesmente, a acompanhá-los no seu silêncio. Este é um projecto pioneiro, desenvolvido no âmbito do programa para o Apoio Integral a Pessoas com Doenças Avançadas - Humaniza da Fundação “la Caixa”, com o apoio do BPI.

São 11 EAPS no total em todo o país, onde os voluntários complementam o trabalho desenvolvido por mais de 50 profissionais, entre psicólogos, assistentes sociais. Através da sua acção diária em unidades de cuidados paliativos, ao domicílio e, desde 2022, em estruturas residenciais para pessoas idosas, contribuem para uma melhoria muito significativa nos níveis de stress psicológico dos doentes, amigos e familiares, assim como na sua capacidade de partilhar emoções. “O voluntário é reconhecido como muito importante na intervenção da equipa, de que faz parte. Tem uma função complementar e preciosa, no sentido em que tem acções concretas que promovem o bem-estar, o conforto, o acompanhamento. É importante o seu contributo para a qualidade de vida dos doentes e familiares”, explica o enfermeiro Marco Mendonça, director da EAPS no Hospital Divino Espírito Santo, de Ponta Delgada. “O voluntário tem uma relação e lugar muito especial”, acrescenta o assistente social Pedro Vilares da EAPS do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM). “No meio do rebuliço, das actividades familiares, encontram sempre tempo para dar ao outro 1 a 2 horas por semana”, diz.

Equipas verdadeiramente especiais

O programa Humaniza, até final de 2023, acompanhou mais de 56400 pessoas (cerca de 25 mil doentes e mais de 31 mil familiares). Actualmente, abrange 19 hospitais, 17 equipas de apoio domiciliário e 29 estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI). Em Ponta Delgada e na Madeira desde 2018, ambas as EAPS ultrapassaram já as 5 mil pessoas apoiadas por cada equipa. E neste trajecto, os voluntários têm tido um papel-chave na “humanização dos cuidados”, sublinha Pedro Vilares.

Atentos às necessidades de cada pessoa, os voluntários colaboram muito de perto com as famílias e os profissionais de saúde, como descreve a madeirense Vânia Camacho. Muitas vezes é chamada para acompanhar um doente quando o cuidador precisa de ir às compras ou resolver algum assunto e tem medo de o deixar sozinho. A técnica superior de educação, de 30 anos, é voluntária desde 2019, após ter feito formação básica em cuidados paliativos e ter passado por uma fase de selecção. Além do trabalho realizado com outros cinco voluntários na unidade de cuidados paliativos do SESARAM, tem acompanhado um doente que passou para o domicílio e agora está num lar e pediu para continuar com a sua companhia e apoio. “A presença diz muito. [Ser voluntário é ter] a capacidade de escutar o outro e saber respeitar o silêncio”, descreve. “Às vezes, os familiares perguntam-me se é difícil? É desafiante, mas o doente ensina-nos a valorizar as pequenas coisas do dia-a-dia.”