Os custos crescentes da crise climática estão a forçar os países em desenvolvimento a fazer escolhas dolorosas, obrigando-os a pagar dívidas em vez de investirem o dinheiro em serviços cruciais, como a saúde e a educação.
Em 2022, apenas 28% do financiamento climático foi concedido sob a forma de subvenções aos países em desenvolvimento que estavam a recuperar de inundações ou a fazer a transição para energias limpas. O resto do apoio foi canalizado sob a forma de empréstimos, o que os deixou sobrecarregados com uma dívida externa esmagadora e com prazos curtos para a pagar.
“Para muitos países em desenvolvimento, o financiamento climático está agora cada vez mais ligado à dívida”, disse à Reuters Sherry Rehman, senadora e ex-ministra das Alterações Climáticas do Paquistão.
Países como o Paquistão gastam mais em pagamentos de juros do que em saúde, educação e infra-estruturas, que são despesas essenciais para proteger os habitantes das perturbações relacionada com as alterações climáticas que afectam a alimentação, a água e a habitação. “Tentar financiar a resiliência ao mesmo tempo que se contraem mais dívidas é aquilo a que eu chamo armadilhas da recuperação”, disse Rehman.
No âmbito do novo acordo de financiamento climático alcançado na COP29, os países ricos comprometeram-se a canalizar anualmente 286 mil milhões de euros para os países em desenvolvimento até 2035, um valor que é claramente insuficiente para apoiar os pagamentos da dívida pública dos países em desenvolvimento, que só em 2022 rondou os 423 mil milhões de euros.
O acordo incluía um objectivo mais vasto de angariar 1,23 biliões de euros por ano até 2035 a partir de fontes públicas e privadas, correspondendo ao que os economistas dizem ser necessário e que as nações em desenvolvimento procuraram junto dos governos ricos.
No entanto, o acordo da COP29 não especifica quanto dos 286 mil milhões de euros serão concedidos sob a forma de empréstimos ou de subvenções, nem como será resolvido o problema da dívida dos países mais vulneráveis ao clima.
“O que obviamente diminuiu o entusiasmo foi a opacidade”, explicou Rehman, que apela a uma discriminação das fontes e tipos de financiamento, incluindo a percentagem de subvenções em relação aos empréstimos.
Os desafios em matéria de dívidas
Os reembolsos globais da dívida enfrentados pelos países em desenvolvimento acumularam-se a um nível tal que as receitas do financiamento climático são insignificantes em comparação. Em 2022, 58 países em desenvolvimento gastaram o dobro do montante, 56 mil milhões de euros, para pagar as suas dívidas em comparação com o que receberam em financiamento climático.
A dívida pública nos países em desenvolvimento tem vindo a aumentar há anos, crescendo duas vezes mais depressa do que nos países desenvolvidos desde 2010. Com um valor de 27 biliões de euros em 2023, essa dívida deixou mais de metade dos países de baixo rendimento com graves problemas de endividamento.
Para além de contraírem dívidas para satisfazer as necessidades económicas, os crescentes fenómenos climáticos extremos, como ciclones, inundações e secas, obrigaram estes países a pedir ainda mais empréstimos.
As comunidades na linha da frente do clima, em particular, têm-se debatido com o reembolso de empréstimos, desde os agricultores indianos afundados em dívidas depois de a seca ter destruído as suas colheitas até aos residentes costeiros do Bangladesh que têm de pagar empréstimos para reconstruir casas devastadas por ciclones.
Para além desta pressão, uma parte crescente da dívida provém do financiamento de acções climáticas, como a redução das emissões ou o investimento em infra-estruturas resistentes, como estruturas de protecção contra inundações e sistemas de alerta precoce.
Estes empréstimos aumentam o já excessivo peso da dívida dos países em desenvolvimento, o que é “totalmente inaceitável” para países que pouco contribuíram para a crise climática, afirmou Syeda Rizwana Hasan, conselheira para o ambiente do Bangladesh, um dos países mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas.
O Bangladesh tem uma dívida de 76 euros per capita (tem 173 milhões de habitantes) resultante dos seus empréstimos relacionados com o clima, que constituem uma parte considerável da sua dívida externa global per capita de 576 euros, referiu M. Zakir Hossain Khan, director executivo do grupo de reflexão Change Initiative, com sede em Daca.
Custos sociais elevados
Receosos dos riscos de endividamento que podem ter custos sociais elevados, os países podem simplesmente optar por não prosseguir as acções climáticas, acrescentou Khan.
Quando os países ricos oferecem financiamento para a transição energética, deve haver um mapeamento cuidadoso de quanto financiamento é necessário e quais as acções que devem ser financiadas por investimento ou empréstimos, explicou Sandeep Pai, director de investigação da Iniciativa Swaniti, um grupo de reflexão política.
Algumas acções climáticas podem gerar retornos financeiros claros. Por exemplo, uma investigação realizada pela Sociedade Financeira Internacional em 2020 apontou para uma oportunidade de investimento climático de 28 biliões de euros nos mercados emergentes até 2030.
Mas o investimento para proteger as comunidades na linha da frente pode não apresentar um caso de negócio claro, e não faz sentido que essas comunidades assumam mais dívidas comerciais para a maioria dos projectos climáticos, disse Pai.
Sinais de Progresso
Os apelos para abordar as questões do clima e da dívida têm-se centrado nas instituições que canalizam o financiamento climático principalmente sob a forma de empréstimos.
Estas incluem os bancos multilaterais de desenvolvimento que, em conjunto, forneceram 71,2 mil milhões de euros de financiamento climático aos países em desenvolvimento em 2023 - mas apenas 6,7% dos quais sob a forma de subvenções, de acordo com o World Resources Institute, um grupo de investigação global sem fins lucrativos.
Os activistas pedem a estas instituições que ofereçam mais financiamento sem dívida e que tomem medidas concretas para aliviar a dívida, com alguns sinais recentes de progresso. “O mundo está a despertar lentamente para o 'nexo clima-dívida' e a testar soluções para reduzir o peso da dívida, mas a mudança está a acontecer muito lentamente”, afirmou Sejal Patel, investigadora principal do Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento.
O Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD), que se autodenomina “Banco do Clima da Ásia e do Pacífico”, criou um fundo para conceder subvenções e empréstimos em condições favoráveis aos mais necessitados, como os pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e os países menos desenvolvidos.
“Muitos projectos de adaptação são públicos e dirigem-se aos mais vulneráveis, pelo que é necessário conceder-lhes recursos”, afirmou Arghya Sinha Roy, especialista sénior em alterações climáticas do BAD.
Este ano, o BAD destinou 410 milhões de euros de apoio adicional aos países mais vulneráveis, ao mesmo tempo que tornou os empréstimos aos pequenos Estados insulares mais concessionais.
Trocar a dívida pelo clima
Para além de aumentar a percentagem de subvenções e de facilitar a obtenção de empréstimos, as instituições globais estão a testar instrumentos como as trocas de dívida por medidas de combate às alterações climáticas, através das quais uma nação pode anular parte da sua dívida em troca da adopção de medidas climáticas mensuráveis.
Barbados, por exemplo, acaba de concluir com êxito uma troca de dívida em que este Estado insular das Caraíbas substituiu uma parte da sua dívida por financiamento de instituições internacionais para investir em projectos de água e saneamento resistentes aos efeitos das alterações climáticas.
Outra medida útil poderia ser a oferta de um alívio da dívida relacionado com o clima aos países em dificuldades, como a suspensão do pagamento da dívida quando esses países são atingidos por catástrofes, sugeriu Rehman. “Precisamos de reimaginar o financiamento do clima, para que não obrigue os países a hipotecar o seu futuro”, afirmou.
Reuters