Bruxelas exige fim da “discriminação” de museus gratuitos só para residentes
Comissão contesta a gratuitidade na visita a museus e monumentos que deixa de fora todos os que residem noutros Estados-membros. Portugal foi notificado da “infracção” e tem dois meses para responder.
A Comissão Europeia exigiu esta segunda-feira a Portugal que retire as “regras discriminatórias” que ditam que os museus nacionais são gratuitos aos domingos e feriados só para cidadãos residentes no país.
No pacote de procedimentos por incumprimento das directivas estabelecidas pela União Europeia (UE) nas mais diversas áreas e relativo ao mês de Dezembro, agora divulgado, o executivo comunitário anuncia que “decidiu dar início a um processo de infracção” que visa Portugal, notificando o governo “por incumprimento da Directiva 2006/123/CE relativa aos serviços no mercado interno e do artigo 56.º do TFUE [Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia], que garante que os destinatários de serviços podem aceder a esses [mesmos] serviços noutros Estados-Membros nas mesmas condições que os nacionais”.
A referência feita pela Comissão Europeia à gratuitidade dos 37 museus, monumentos e palácios tutelados pelo Estado está, no entanto, ultrapassada desde Agosto deste ano, altura em que o modelo vigente desde Setembro de 2023 — entrada livre aos domingos e feriados para quem vivesse em Portugal — foi substituído por um novo, que concede 52 entradas grátis nestes equipamentos aos portugueses e residentes em Portugal, em qualquer dia do ano à sua escolha.
Embora a “infracção” identificada diga respeito ao modelo que vigorava no anterior Executivo socialista, será de esperar que o novo, criado por uma ministra da Cultura independente num Governo PSD-CDS, também venha a merecer da Comissão Europeia a mesma contestação. Afinal, na base de um e de outro está o mesmo critério que considerou “discriminatório” — o da residência.
Os documentos evocados — Directiva 2006/123/Comissão Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia — estabelecem regras que “constituem uma das liberdades fundamentais do mercado único da UE, promovendo as actividades transfronteiriças e eliminando a discriminação baseada na nacionalidade e na residência”, foi lembrado esta segunda-feira. “Portugal oferece entrada gratuita em certos museus, monumentos e palácios aos domingos e feriados, mas apenas aos residentes em Portugal. A Comissão considera que estas regras discriminam os visitantes que residem noutros Estados-Membros.”
Na notificação que diz ter enviado a Portugal, o executivo comunitário informa que o país “dispõe agora de dois meses para responder às lacunas levantadas” e para as colmatar. “Na ausência de uma resposta satisfatória, a Comissão poderá decidir emitir um parecer fundamentado”, acrescenta, sem detalhar que consequências podem decorrer deste mesmo parecer.
O que fará agora o Governo português perante a notificação referente a um programa de entradas grátis que já não existe não se sabe ainda. O que se sabe é que a política de gratuitidade que hoje vigora no país, proposta pela actual ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, padece do mesmo problema que Bruxelas identificou.
Ao criar o modelo de gratuitidade de 52 dias por ano, a historiadora de arte quis facilitar o acesso aos portugueses e residentes em Portugal, uma medida que leva mais longe o que tentara fazer quando era ainda directora do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém, uma das unidades monumentais mais visitadas do país.
Em Setembro de 2019, numa entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, a actual ministra, então há quatro meses como directora destes dois monumentos de Belém, manifestou a intenção de conceder descontos nos bilhetes aos portugueses e, até, de lhes garantir um acesso mais rápido, permitindo-lhes evitar a longa fila de turistas estrangeiros que os visitam diariamente.
"Propus à tutela que se praticassem descontos significativos para públicos nacionais", disse na altura Dalila Rodrigues. "Mas não quero falar em valores porque estas modalidades, tal como as filas separadas para nacionais e estrangeiros, são um assunto que está ainda em estudo, não sei se será ou não possível."
Chegada a ministra, levou mais longe o desejo que manifestara enquanto directora, provavelmente porque considerou ser "possível" intervir no acesso a museus, palácios e monumentos tendo por critério a nacionalidade e a residência. Bruxelas veio agora dizer-lhe que não é.
O PÚBLICO aguarda ainda uma reacção da ministra da Cultura à notificação de Bruxelas.