Nesta segunda-feira, as equipas de socorro deslocaram-se para encontrar sobreviventes e restabelecer os serviços no território ultramarino francês de Mayotte, onde se receia que centenas ou mesmo milhares de pessoas tenham morrido devido ao pior ciclone do século que atingiu as ilhas do Oceano Índico.
Partes das ilhas, que foram atingidas pelo ciclone Chido no fim-de-semana, com ventos de mais de 200 km/h, permaneciam inacessíveis às equipas de salvamento nesta segunda-feira, referiu o porta-voz da segurança civil francesa, Alexandre Jouassard. “Os próximos minutos e horas são muito importantes”, disse à France 2 TV.
O Presidente francês Emmanuel Macron deverá realizar uma reunião de emergência sobre Mayotte às 17 horas (hora portuguesa), informou a BFMTV francesa. A tempestade foi a mais forte a atingir Mayotte em mais de 90 anos, informou o serviço meteorológico francês Meteo France. O arquipélago tem uma população de cerca de 321 mil habitantes e é constituído por duas ilhas principais numa área com cerca de duas vezes o tamanho do distrito de Washington, nos EUA.
"Via o fim a chegar"
Os destroços de centenas de casas improvisadas estão espalhados pelas encostas. Os coqueiros caíram sobre os telhados dos edifícios e os corredores dos hospitais inundaram-se de vítimas do ciclone, de acordo com imagens dos meios de comunicação locais e das autoridades francesas. “Era o vento, o vento a soprar, e eu estava em pânico, só gritava 'precisamos de ajuda, precisamos de ajuda', gritava porque via o fim a chegar”, disse John Balloz, que vive na capital Mamoudzou, à Reuters.
Com o abastecimento de água cortado, os habitantes fizeram fila à porta das mercearias em busca de água engarrafada e provisões básicas, comentaram os residentes às estações de televisão francesas.
Depois de Mayotte, Chido atingiu o norte de Moçambique. Rapidamente enfraqueceu e foi reclassificado como tempestade tropical no domingo, mas mesmo assim destruiu várias casas, segundo as autoridades.
Número de vítimas por esclarecer
A dimensão total das vítimas e dos danos em Mayotte, que se situa entre Moçambique e Madagáscar, continua por esclarecer. O autarca de Mayotte, François-Xavier Bieuville, referiu no fim-de-semana que o número de mortos seria seguramente de centenas e possivelmente de vários milhares. O apuramento do número de mortos foi dificultado pelo facto de algumas pessoas terem enterrado rapidamente os seus entes queridos, de acordo com a tradição muçulmana [97% da população é muçulmana].
As imagens de Mayotte partilhadas pelos meios de comunicação mostraram barcos virados, carros enterrados sob escombros e pessoas encolhidas debaixo de mesas aquando da passagem do ciclone.
Situada a cerca de oito mil quilómetros de Paris, Mayotte é um destino importante para os imigrantes clandestinos das vizinhas Comores. É significativamente mais pobre do que o resto da França: três em cada quatro pessoas vivem abaixo da taxa de pobreza nacional.
As autoridades francesas informaram que estão a decorrer operações marítimas e aéreas para transportar material de socorro e equipamento, incluindo da ilha Reunião, outro território ultramarino francês.
Pico de intensidade "subestimado"
Alex Baker, meteorologista da Universidade de Reading, no Reino Unido, explicou em nota de imprensa desta instituição que, apesar de normalmente estes fenómenos extremos serem mais difíceis de prever, a trajectória do ciclone Chido foi prevista e anunciada com a devida antecedência.
“No caso do Chido, a trajectória do ciclone foi bastante bem prevista, com as principais áreas afectadas e a possibilidade de intensificação a serem identificadas em avisos com vários dias de antecedência, mas o pico de intensidade foi um pouco subestimado”, desenvolve o especialista.
O enorme rasto de devastação que o mau tempo deixou na ilha é também o reflexo da falta de capacidade de resistência das comunidades de baixos rendimentos da região, argumentam os investigadores. Helen Hooker, também meteorologista da Universidade de Reading, referiu que “numa ilha pequena, é incrivelmente difícil encontrar locais seguros para onde deslocar as pessoas quando se aproxima uma tempestade desta ferocidade”.
A investigadora, especializada em ciclones e alterações climáticas, explicou que a maior probabilidade de ocorrência de fenómenos extremos exige um maior investimento nos alertas e nas acções de prevenção.
“Há provas de que as alterações climáticas estão a tornar mais provável a ocorrência de ciclones tropicais muito intensos como o Chido. O investimento na melhoria dos alertas precoces de condições meteorológicas extremas, dos sistemas de comunicação e das acções destinadas a evitar a perda de vidas e de meios de subsistência deve ser uma prioridade para os dirigentes nacionais”, escreve em nota de imprensa.
Segundo Hooker, as temperaturas do oceano Índico, que têm sido muito altas durante o ano, contribuíram para a intensificação do ciclone Chido. Este desastre provou, ainda, o quão vulneráveis os países mais pobres estão em relação aos fenómenos climáticos, especialmente as ilhas como Mayotte, onde “não há opções para evacuar porque não há para onde ir”.
O peso da crise ambiental
O principal aeroporto de Mayotte continua fechado aos voos civis na manhã desta segunda-feira, segundo Jean-Paul Bosland, presidente da federação nacional dos bombeiros franceses. As equipas médicas estão em dificuldades para trabalhar no terreno.
A ministra da Saúde francesa, Geneviève Darrieussecq, referiu à BFMTV que as águas das cheias foram retiradas do hospital central de Mayotte, mas confirmou que as condições ainda eram difíceis. Segundo a ministra, cem militares estão a ser enviados para Mayotte.
Eric Coquerel, presidente da Comissão de Finanças do Parlamento francês, afirmou que a destruição em Mayotte revela a falta de preparação dos países para as consequências das alterações climáticas. “As condições de vida (em Mayotte) são completamente insalubres para muitos”, explicou à emissora francesa LCI. “Era evidente que (...) quando um ciclone chegasse (...) nos encontraríamos nesta situação.”
Os fenómenos meteorológicos extremos tornaram-se mais comuns em todo o mundo, em sintonia com o aquecimento global. Os países mais pobres afirmam frequentemente que estão a suportar o peso da crise ambiental, apesar de historicamente emitirem muito menos CO2 do que os países mais ricos.