Censo do lobo-ibérico revela que Portugal perdeu pelo menos cinco alcateias em 20 anos
Os resultados obtidos no actual censo revelam que não foram alcançados os objectivos estabelecidos há 20 anos para melhorar o estado de conservação do lobo em Portugal.
A área de presença do lobo em Portugal reduziu 20% e o número de alcateias detectadas decresceu 8% para as 58 em duas décadas, encontrando-se principalmente a norte do rio Douro, revela o Censo Nacional 2019/2021.
Os dados constam no relatório e portal do Censo Nacional do Lobo, coordenados pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que eram há muito esperados.
Entre os dois censos, as alcateias estimadas passaram de 63 registadas em 2002/2003 para as actuais 58, sendo que se confirmou a presença de 56 e se considerou provável a presença de duas.
Os resultados apontam ainda para uma redução na ordem dos 20% da área de presença de lobo em Portugal nas duas últimas décadas, nomeadamente na região de Trás-os-Montes e a sul do Douro.
Objectivos não atingidos
Os resultados obtidos no actual censo revelam que não foram alcançados os objectivos estabelecidos há 20 anos para melhorar o estado de conservação do lobo em Portugal.
Entre os principais factores que estarão comprometer a conservação do lobo, encontra-se a "mortalidade por causas humanas" (atropelamento, laços, tiro, envenenamento), uma baixa disponibilidade de presas selvagens ou ainda a instalação de infra-estruturas de comunicação e produção de energia que interfere com o seu habitat.
Alguns ataques do predador ao gado bovino, ovino ou caprino têm conduzido também a uma menor tolerância à presença do lobo.
No relatório são defendidas medidas que promovam o aumento da área de presença do lobo a norte e sul do rio Douro, nomeadamente manter e recuperar habitat adequado para refúgio e reprodução da espécie, proteger os locais de reprodução, aumentar a presença das presas selvagens de lobo (em particular o corço) e promover a cooperação com Espanha, onde se encontram também alcateias de lobo ibérico.
O relatório nota ainda a importância de reduzir a caça furtiva e outras causas de mortalidade não natural, garantir a permeabilidade das infra-estruturas existentes (como estradas e barragens) e reduzir o conflito associado à predação de lobo sobre efectivos pecuários, em particular através da melhoria e agilização do sistema de compensação por prejuízos.
Territórios em mudança
Embora seja difícil concretizar o efectivo em cada alcateia, o estudo estima que a "população de lobos em Portugal é de cerca de 300 animais", o que corresponde aproximadamente ao valor médio da estimativa de 190 a 390 lobos. O intervalo representa a oscilação do número de animais ao longo do ano, nomeadamente entre o final do Inverno, antes dos nascimentos, e o Outono, no final da época de reprodução.
A maioria das alcateias encontra-se a norte do rio Douro, distribuídas por três núcleos populacionais (Peneda/Gerês, Alvão/Padrela e Bragança), existindo apenas cinco a seis alcateias no núcleo Sul Douro.
De acordo com o relatório, na Peneda/Gerês registou-se um aumento de alcateias, das 16 para as 24, tendo-se verificado uma diminuição nos restantes três núcleos, principalmente no Alvão/Padrela, onde o número de alcateias estimado sofreu uma redução superior a 50% (das 13 para as seis).
O relatório refere que a detecção de novas alcateias na zona de Peneda/Gerês, poderá estar relacionada com "o maior esforço de amostragem aplicado" no trabalho ou "o aumento da disponibilidade alimentar associada ao aumento do número de bovinos em pastoreio livre, em algumas áreas".
Conservação delicada
A presença do lobo sofreu uma redução acentuada em Portugal, entre os finais dos séculos XIX e início do XX, à semelhança do verificado no resto da Europa, possuindo, a nível nacional, o estatuto de ameaça "em perigo" desde 1990.
O primeiro censo nacional dirigido ao lobo decorreu em 2002/2003 e, cerca de 20 anos depois, quis-se actualizar o conhecimento sobre a espécie: a área de presença, alcateias existentes e locais de reprodução. O objectivo é contribuir para "assegurar a necessária compatibilização das actividades humanas com a presença da espécie, contribuindo para que seja alcançado um estado de conservação favorável do lobo".
Coordenado pelo ICNF, o trabalho de campo foi executado por entidades como as universidades de Aveiro e Trás-os-Montes e Alto Douro, Grupo Lobo, Palombar, a A.RE.NA. Asesores en Recursos Naturales e a ARCA People and Nature, recorrendo a métodos como a prospecção de indícios (dejectos), armadilhagem fotográfica e acústica ou dados disponibilizados pelos 16 projectos de monitorização em curso durante o estudo.