Em tempo de seca, porque não apostar nos cactos? Itália testa a piteira para comer (e não só)

A piteira conquista espaço no Sul ressequido de Itália, numa região afectada pela seca e pelas doenças das plantas. Mas o cultivo de “cactos” está a expandir-se em muitos países.

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As piteiras crescem em regiões quentes e secas Carlos Jasso / REUTERS
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A figueira-da-índia ou piteira (Opuntia ficus-indica) é uma cultura com potencial no Sul ressequido de Itália, mas não só. Esta cultura versátil tem muitas utilizações, desde a alimentação animal ao combustível. O aquecimento global, a seca e as doenças das plantas representam uma ameaça crescente para a agricultura no árido sul de Itália, mas uma startup fundada por um antigo gestor de telecomunicações acredita ter encontrado uma solução: a figueira-da-índia ou piteira ou, mais conhecida localmente, pêra-de-cacto.

Andrea Ortenzi apercebeu-se do potencial da planta há 20 anos, quando trabalhava para a Telecom Itália no Brasil, onde é muito utilizada como alimento para animais. Ao regressar a Itália, começou a procurar formas de transformar a sua intuição numa oportunidade de negócio.

Ele e quatro amigos fundaram a sua empresa, chamada Wakonda, em 2021, e começaram a comprar terras para plantar a cultura na região sul da Apúlia, onde as oliveiras tradicionalmente dominantes tinham sido devastadas por uma doença transmitida por insectos Xylella.

Os danos causados pela doença foram agravados por secas recorrentes e condições meteorológicas extremas nos últimos anos em todo o sul da Itália continental e ilhas, atingindo culturas de uvas a citrinos.

Ortenzi está convencido de que este fruto, resistente e versátil, também chamado pêra-espinhosa ou figo-da-índia, pode ser uma solução altamente rentável, dando origem a uma série de produtos como refrigerantes, farinha, rações para animais e biocombustíveis.

O empresário italiano está longe de ser o único a ver o potencial da planta, cujo cultivo está a expandir-se nas regiões quentes e secas de todo o mundo.

“Como indústria, a produção deste fruto está a crescer muito rapidamente, especialmente para uso forrageiro e como fonte de biocombustível”, referiu Makiko Taguchi, responsável agrícola da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com sede em Roma.

Uma cultura com múltiplas utilizações

O cacto produz um fruto saboroso que é consumido em grande parte na América Latina e na região do mar Mediterrâneo, enquanto no México as partes verdes planas que formam os braços do cacto são utilizadas na culinária.

Na Tunísia, onde ocupa cerca de 12% das terras cultivadas, logo a seguir às oliveiras, a piteira é uma importante fonte de rendimento para milhares de pessoas, sobretudo mulheres que colhem e vendem o fruto.

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A piteira pode ser utilizada na produção de variados produtos como o biocombustível, o couro vegetal e os cosméticos Majdi Fathi / GETTY IMAGES

No Brasil, que detém a maior produção mundial, é cultivada principalmente no Nordeste para forragem, enquanto o Peru e o Chile a utilizam para extrair um corante vermelho conhecido como cochonilha (proveniente de um insecto, que é uma praga para esta planta), utilizado na produção de alimentos e cosméticos.

O grupo de vestuário desportivo Adidas e o fabricante de automóveis Toyota mostraram recentemente interesse em utilizar o cacto para produzir couro vegetal proveniente principalmente do México.

A figueira-da-índia ainda não está incluída nas estatísticas de produção agrícola da FAO, mas Taguchi citou a rápida expansão da CactusNet, uma rede de contactos de investigadores e empresas de cactos em todo o mundo, que coordena.

A FAO lançou o grupo online em 2015 com 69 membros. Actualmente, conta com 933 membros em 82 países. A planta, nativa das zonas desérticas da América do Sul e do Norte, prospera em condições cada vez mais áridas do Sul de Itália e necessita de dez vezes menos água do que o milho, uma cultura comparável cujos subprodutos incluem também ração animal e metano.

Até agora, Wakonda, uma palavra indígena americana que significa a força criativa omnipresente da natureza, plantou apenas 10 hectares de cactos com 40.000 plantas por hectare, mas Ortenzi planeia plantar 300 hectares até ao final de 2025, e está a pensar em grande.

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O aquecimento global e as secas aumentaram o número de terrenos onde as piteiras podem prosperar Feifei Cui-Paoluzzo / GETTY IMAGES

Dos cerca de 100.000 hectares de oliveiras destruídos pela Xylella no Sul da Apúlia, apenas 30.000 serão replantados da mesma forma, disse à Reuters numa entrevista. “Potencialmente, 70.000 poderiam ser plantados com pêras-espinhosas”, comentou o empresário.

A longo prazo, as possibilidades podem ser ainda maiores, acrescenta Ortenzi, considerando que mais de um milhão de hectares de terra arável foram abandonados em Itália nas últimas décadas, uma vez que as alterações climáticas tornaram mais difícil a produção de culturas tradicionais.

O modelo da Wakonda

O modelo de negócio da Wakonda descarta o fruto e concentra-se nas partes almofadadas espinhosas, que são prensadas para produzir um sumo utilizado numa bebida energética altamente nutritiva e de baixas calorias. As almofadas secas são depois processadas para produzir uma farinha leve para a indústria alimentar ou ração animal rica em proteínas.

O sistema de produção circular e ecológico da Wakonda inclui também tanques “biodigestores” nos quais os resíduos do ciclo de produção são transformados em gás metano, utilizado como biocombustível no local ou vendido. A empresa, que conta actualmente com 37 accionistas, está em contacto com autarcas, empresas e universidades para desenvolver os seus produtos.

De acordo com o plano de negócios de Ortenzi, em vez de comprar terrenos para plantar o cacto, a Wakonda pretende persuadir os agricultores do seu potencial e, em seguida, licenciar-lhes, em troca de direitos autorais, equipamento e conhecimentos necessários para a sua exploração. “A terra continua a ser vossa, vocês convertem-na em figos-da-índia e eu garanto que compro toda a vossa produção durante pelo menos 15 anos”, concluiu o empresário.