Portugal condenado por violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar
Em causa está a queixa por os tribunais portugueses terem ignorado a procuração e a declaração de vontade de uma mãe que queria que fosse a filha mais nova a gerir a sua vida caso perdesse capacidade.
Portugal foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar. Em causa está a queixa apresentada por Teresa Silva, que denunciou que os tribunais portugueses ignoraram a procuração e a declaração de vontade da mãe, que queria que fosse a filha mais nova a gerir a sua vida, caso perdesse a capacidade.
A decisão foi comunicada a Teresa Silva no passado dia 10, cinco anos após ter apresentado uma queixa contra o Estado português ao Tribunal Europeu. Fê-lo pela “perplexidade” — que ainda afirma manter — com que assistiu às decisões de oito juízes de tribunais portugueses que não tiveram em conta a decisão que a sua mãe tomou em 2012. Na altura, enquanto ainda estava lúcida, a mãe de Teresa assinou, na presença de um notário e de dois médicos, documentos que indicavam a sua vontade.
Nos referidos documentos, a mãe de Teresa Silva declarou que, caso viesse a perder capacidade de decisão, não desejava que nenhum dos quatro filhos se instalasse na sua casa, preferindo que fosse a filha mais nova a tomar decisões sobre eventuais tratamentos médicos e a tratar dos seus assuntos pessoais, incluindo a gestão das suas contas bancárias. Contudo, quando essa situação se verificou, em 2014, os tribunais portugueses determinaram que seria o filho mais velho a assumir o papel de tutor da mãe.
"Retiraram-lhe o direito básico"
“Foi retirado à minha mãe o direito básico de ela ser acompanhada por quem escolheu”, diz Teresa Silva, que assume manter a mesma “perplexidade” que teve ao longo de todo o processo. Lembrando a vontade expressa pela mãe, ainda se questiona como é que os tribunais portugueses puderam decidir algo diferente. “Passou por oito juízes: um da primeira instância, três da Relação [de Lisboa] e quatro do Supremo Tribunal de Justiça.”
Na altura, a lei determinava que fosse o filho mais velho o tutor, mas quando o último recurso saiu faltavam apenas dez dias para a entrada em vigor da legislação com o novo Regime do Maior Acompanhado. Teresa ainda tentou, quando o processo desceu à primeira instância, solicitar a aplicação da nova lei, atendendo à procuração e à declaração de vontade expressa pela mãe, mas o pedido foi indeferido.
Vontade que "foi ignorada"
Face às decisões nacionais, Teresa apresentou queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que concluiu que houve uma violação do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no que respeita à mãe. “Esta decisão dá voz à vontade dela. A Europa ouviu-a, e isso não tem preço”, afirma Teresa Silva, lamentando que as testemunhas que atestaram a vontade da mãe, na presença do notário, não tenham sido ouvidas pelos tribunais portugueses. “Havia uma vontade expressa que foi ignorada”, sublinha.
O artigo 8.º da convenção consagra o direito ao respeito pela vida privada e familiar, referindo que “qualquer pessoa tem direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência” e que “não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros”.
A mãe de Teresa faleceu a 1 de Novembro deste ano, com 103 anos. “Ficou na sua casa basicamente até ao final. Íamos passear, pintava e fazia contas”, apesar das limitações que tinha. “A minha mãe teve um final de vida como queria, respeitei sempre a vontade dela”, diz Teresa, a quem foi atribuído, por acordo do conselho familiar em 2021, gerir o bem-estar da mãe, mas sem a representação legal.
Segundo a decisão da Quarta Secção do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o Estado português “deverá pagar, no prazo de três meses a contar da data em que a sentença se tornar definitiva”, ao segundo requerente (a mãe de Teresa Silva) 5200 euros por danos não-pecuniários e ao primeiro requerente (Teresa) 2230 euros relacionados com despesas relativas aos processos judiciais em Portugal.