Passaporte Digital de Produto promete revolucionar forma como compramos

O Passaporte Digital de Produto entra em vigor em 2027 e, apesar de vir alterar e revolucionar a forma como fazemos compras, ainda há muitos desafios para empresas.

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Rita França

Imagine entrar numa loja, encontrar um produto que lhe chama a atenção e dar de caras com um QR Code que encaminha para um passaporte digital. Aí, encontra toda a informação sobre o produto que tem nas mãos: que materiais foram utilizados, qual a sua origem, onde e de que forma foi produzido, com que recursos, qual a sua pegada ecológica e, finalmente, como descartá-lo da forma mais sustentável quando chegar ao seu fim de vida.

Esta será a realidade dos consumidores europeus já a partir de 2027, quando todas as empresas estarão obrigadas a apresentar o Passaporte Digital de Produto (PDP) de todos os bens de consumo que circulam na União Europeia. Por agora, os Estados-Membros estão a investir e a concertar estratégias para se adaptarem a esta obrigatoriedade e Portugal não é excepção.

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Que desafios enfrentam as empresas portuguesas de diferentes sectores na adaptação ao PDP? Que estratégias e tecnologias estão a ser desenvolvidas por cá para cumprir esta obrigatoriedade?

Foi para esclarecer estas dúvidas e apontar caminhos e estratégias que o IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação e a DGAE - Direcção-Geral das Actividades Económicas, reuniram representantes de empresas, responsáveis da União Europeia e entidades competentes para partilhar experiências e reflexões sobre a adopção do PDP. A iniciativa decorreu esta terça-feira, 10 de Dezembro, no ISAG (Instituto Superior de Administração e Gestão), no Porto, sob o lema “Passaporte Digital de Produto - Estratégias Eficazes”.

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“PDP vai mudar forma como compramos”

“O PDP vem conferir transparência às cadeias de valor. Através disso, a forma como interagimos e compramos os produtos está prestes a mudar por completo. Por isso, preparar as empresas é agora mais importante que nunca”, começou por salientar Henrique Pires, Subdirector do ISAG, na abertura do evento, destacando ainda os objectivos da medida prevista no novo Regulamento Ecodesign para Produtos Sustentáveis ​​(ESPR). “Acelerar a transição para a economia circular, fornecer novas oportunidades de negócios [reciclagem de materiais ou serviços de reparo, por exemplo, com base na melhoria do acesso aos dados], ajudar os consumidores a fazer escolhas mais sustentáveis e permitir às autoridades competentes verificar o cumprimento das obrigações legais por parte das empresas”.

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Estas metas plasmam a visão da União Europeia de uma “economia focada na melhoria contínua, resiliente e onde as empresas têm um papel crucial”, observa, por sua vez, o Presidente do IAPMEI, José Pulido Valente. Numa “perspectiva alargada do mercado único”, a UE quer criar um “quadro de actuação ético e responsável, com regras exigentes que nos obrigam a olhar para toda a linha de produto de forma sustentável. E aqui entra o Passaporte Digital de Produto, que terá impacto para uma economia verdadeiramente circular”, considera o responsável.

Oportunidades na automação e competitividade das empresas

Já Marta Lima Basto, Subdirectora-geral da DGAE, sublinha que “entre as práticas expressivas mais sustentáveis surge também o Ecodesign”. A concepção ecológica dos produtos é outra das medidas previstas no ESPR (Ecodesign for Sustainable Products Regulation), juntamente com o PDP, e irá determinar requisitos para a produção, com vista a desincentivar a curta durabilidade dos produtos e a acautelar a sua reciclabilidade.

Em Portugal, a DGAE tem um papel importante na regulação destas práticas sustentáveis, sendo que, para Marta Lima Basto, o PDP “está no centro da transição para a sustentabilidade”. Este é um “pilar estratégico, no plano ambiental e económico”, que permitirá “aumentar a competitividade das empresas”.

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Não obstante, nesta fase de adaptação, existe uma preocupação sobretudo com as Pequenas e Médias Empresas (PME), que enfrentam desafios ao nível da rastreabilidade, maturidade digital e capacitação de recursos humanos. Neste domínio é vital assegurar uma forte sensibilização e capacitação deste universo de empresas, levando até elas o conhecimento e as ferramentas que lhes permitam manter-se nas cadeias de valor e encarar este desafio como uma oportunidade a não negligenciar. Trabalho que está já a ser desenvolvido no terreno pelo IAPMEI e de que é exemplo esta conferência internacional, que reúne empresas e agentes que actuam no universo empresarial como referiu José Pulido Valente, Presidente do IAPMEI e SME Envoy por Portugal.

Baterias, têxteis e calçado são prioritários

As baterias de veículos eléctricos, os têxteis e o calçado são os primeiros sectores a estarem obrigados a apresentar o PDP, em 2027, por serem considerados produtos de utilização final de alta prioridade. Neste sentido, são os clusters do calçado e têxteis, dois dos mais relevantes na economia portuguesa, que lideram as estratégias de adopção no nosso país.

Sendo também uma das indústrias que mais polui no mundo, os têxteis estão a adaptar-se a “16 novos regulamentos” que visam transformar este sector em prol de maior sustentabilidade. Um deles é o PDP, cuja adopção em Portugal está a ser liderada através do CITEVE - Centro Tecnológico para as empresas do Sector Têxtil e Vestuário. Ana Barros dá conta do trabalho realizado em ferramentas tecnológicas que permitem trabalhar a “interoperabilidade dos dados disponibilizados pelas empresas".

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“Para toda a informação chegar aos consumidores é necessário muito trabalho por trás”, explica a responsável, sublinhando também que a qualidade dessa informação será essencial para as empresas responsáveis pela reciclagem. “Através do PDP vão poder ter acesso aos dados sobre composição dos produtos e assim determinar a melhor forma de os reciclar”.

O que estão a preparar os sectores têxteis e do calçado portugueses?

O CITEVE tem investido milhões de euros, com apoios públicos, em plataformas que vão desde o armazenamento de dados até à disponibilização dos mesmos, da forma mais intuitiva. Neste sentido, a sua estratégia passa por sistemas de classificação da pegada ecológica - de A a E, sendo esta última a mais baixa - além de cores e tags que permitirão aos consumidores fazer escolhas mais sustentáveis.

Já no que diz respeito ao sector do calçado, Vera Pinto, do CTCP -Centro Tecnológico do Calçado em Portugal, explica que a “complexidade da cadeia de valor traz grandes desafios à implementação do PDP”. A começar, desde logo, pelo couro - “material que distingue o calçado português - em que é necessário rastrear desde o nascimento do animal, tratamento veterinário e alimentação, até ao matadouro. E depois temos muitas outras componentes num único par de sapatos que têm diferentes origens”, explica.

Além de uma plataforma em que as empresas do sector possam disponibilizar os seus dados, de forma autónoma, a CTCP projectou uma etiqueta QR Code que irá acompanhar cada par de sapato e que contém aquelas informações, além dos cuidados a ter com o produto, para que dure mais, e como descartá-lo no seu fim de vida. “Como as etiquetas por norma são descartadas antes de o produto completar o seu ciclo de vida, estamos agora a estudar formas de colocar este QR Code dentro do próprio produto”, explica.

As informações sobre o descarte dos produtos são um dos principais desafios técnicos da aplicação do PDP, mas não só. Pedro Roseiro, da VOID, aponta também para a “cibersegurança dos dados” e para o risco dos QR Codes se tornarem obsoletos. “Na construção, por exemplo, temos produtos que duram 50 anos. Talvez em meio século os QR Codes já nem existam, então como vai uma empresa apresentar os dados sobre reciclabilidade dos produtos ao consumidor? As empresas têm que apresentar registos consistentes dos dados”, avança o responsável.

Neste complexo processo de adopção do revolucionário PDP por parte das empresas, resta saber se, no final de contas, “o consumidor irá valorizar todo este trabalho”. Para as empresas, devem ser pensadas medidas para comprometer também o consumidor na tomada de escolhas de compra mais sustentáveis. Afinal, é ele o elemento crucial para a rentabilidade das empresas e real concretização de uma economia circular. E o objectivo último do PDP é mesmo facultar ao consumidor toda a informação que lhe permita tomar decisões de compra informada.

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