“Uma mudança de paradigma: atribuir valor ao CO2 como ao dinheiro”
Qual o contributo de uma empresa de soluções de software de gestão para as metas de descarbonização? A resposta é dada pelo director-geral da SAP em Portugal, Nuno Saramago.
Com 26 indústrias no portefólio de clientes e com a estimativa de que 84% das transações globais são suportadas pelas suas aplicações, a SAP abraça o desígnio da descarbonização como um desafio, mas também como uma oportunidade de negócio. E por isso está comprometida com uma mudança de paradigma que envolve tratar o CO2 como dinheiro.
Quais são as principais linhas da abordagem da SAP à descarbonização?
A missão da SAP é ajudar o mundo a funcionar melhor e melhorar a vida das pessoas. E esta é, no nosso entender, uma missão que não se completa sem as preocupações de sustentabilidade. E que não se cumpre se não o fizermos em comunidade, isto é, se não trabalharmos em conjunto com outras organizações para concretizar as metas ambiciosas, mas alcançáveis, que decorrem do Acordo de Paris. Enquanto empresa, não podemos dissociar a nossa abordagem à descarbonização da governança saudável. O que é atestado, nomeadamente, pelo facto de estarmos há 16 anos no top 5 das empresas globais do nosso sector no Dow Jones Sustainability Index.
Na nossa perspectiva, a descarbonização e a transição energética inerente constituem um dos maiores desafios que se apresentam hoje em dia, a nível global, para conseguirmos cumprir a meta de não aumentarmos a temperatura em mais de 1,5º face aos valores anteriores à revolução industrial. Com esse propósito, a SAP mantém parcerias com várias empresas e organizações a nível global, entre elas o Carbon Disclosure Project. Mas, olhamos também para este tema como uma das maiores oportunidades da actualidade a nível económico, porquanto, para atingirmos os objectivos da descarbonização, vamos precisar de muita transformação das operações, em todas as áreas de negócio. É certo que é uma tarefa hercúlea, no sentido da sua dimensão, mas constitui igualmente um impulso para optimizar os processos, bem como para desenvolver novos modelos de negócio.
Aliás, num encontro recente com Chief Financial Officers de vários dos nossos clientes, houve unanimidade no reconhecimento de que a descarbonização tem de estar embebida na operação das empresas. Não deve ser apenas uma questão de reporting e de compliance, tem de estar presente em toda a cadeia de valor. E tem de estar presente no dia-a-dia, isto é, no momento de tomada de decisão é indispensável saber quais são as consequências dessa decisão.
Com este posicionamento, a nossa abordagem passa por dois grandes vectores. Por um lado, a SAP ajuda as empresas – e importa dizer que servimos 26 indústrias diferentes – a optimizar esta transformação, capacitando-as para trabalharem conectadas, numa rede de partilha de informação. Por outro lado, damos o exemplo como empresa sustentável, com as suas próprias metas de descarbonização. Desde 2008 que publicamos um relatório de sustentabilidade; fomos, aliás, uma das empresas pioneiras no nosso ramo de actividade.
De que modo é que, através das suas soluções de software de gestão, contribui para optimizar a operação dos clientes?
A primeira área que destacaria a este respeito prende-se com a transparência e com a necessidade de partilha de informação. É necessário que haja transparência quanto ao impacto da operação nos três âmbitos de emissões de gases com efeito de estufa em toda a cadeia de valor. Não só qual o impacto da empresa, mas também o dos fornecedores e o de todas as entidades que consomem os produtos e serviços dessa empresa. E, para que assim seja, é preciso que haja standards e que haja partilha de informação.
Um dos grandes contributos da SAP prende-se exactamente com a criação de uma rede de partilha de informação entre as cadeias de valor das 26 indústrias que serve. Nesta Business Network, reunimos seis milhões de entidades – entre empresas, organizações e sector público. E contribuímos para a transparência da informação, definindo um standard que nos permite ser coerentes na medição das emissões. A propósito, importa frisar que, a nível mundial, cerca de 84% das transacções são, de alguma forma, suportadas por soluções SAP, uma estimativa que fazemos de acordo com os clientes que temos.
A outra área da nossa intervenção prende-se com a acção. Para atingirmos as metas de descarbonização definidas, temos de tomar medidas concretas e essas medidas têm de ser adoptadas no dia-a-dia das operações. Por exemplo, na selecção de um fornecedor de matéria-prima ou de um transporte de mercadorias, tem de haver transparência sobre a operação desse fornecedor e a informação tem de estar disponível no momento da decisão. Ao invés de um relatório, em que é preciso extrair e consolidar os dados, as soluções SAP fornecem em tempo real a informação sobre o impacto de cada decisão na emissão de CO2 e de outros gases com efeito de estufa. E não é só na escolha de fornecedores, é também na definição de um novo produto ou no desenho de uma nova rota de distribuição. A informação sobre o consumo de recursos e as respectivas emissões está, pois, nas nossas aplicações e, em consequência, nas transacções que suportam. Deixamos de olhar pelo retrovisor para o impacto das decisões tomadas para passar a capacitar a acção no dia-a-dia.
Até onde leva a SAP esta mudança de paradigma?
Há, de facto, uma mudança de paradigma que passa, igualmente, por tratarmos o CO2 como dinheiro. Há mais de 50 anos que desenvolvemos sistemas financeiros e, com base nessa experiência e nos desafios que enfrentamos, considerámos que conseguimos adicionar os gases com efeito de estufa aos planos contabilísticos que já existem nas nossas aplicações, atribuindo um valor financeiro ao CO2 a partir do mapeamento das emissões directas e indirectas.
Com base nesta abordagem, estará disponível no final do ano o Green Ledger, isto é, um plano de contabilidade verde que vai integrar automaticamente toda a operação da empresa. É como uma dimensão contabilística do negócio, mas que não é puramente financeira. Se sabemos quanto custa um quilowatt de energia, a partir de agora passamos a saber também quanto custa uma tonelada de CO2. É um valor a que chegámos por estimativa, por via da participação em consórcios com outras empresas e organizações. Estabelecemos uma valorização que é como uma cotação, isto é, não é um valor fixo, mas que vai sendo actualizado.
E, tendo um valor contabilístico, entra na rubrica dos custos ou dos proveitos?
Pode ser ambos. Na SAP, temos como primeira prioridade evitar as emissões, a segunda é reduzir e, se não for mesmo possível outra alternativa, então compensamos as emissões. E, com esse objectivo, participamos em programas internacionais de captura de CO2, ao abrigo dos quais já contribuímos para a plantação de 18 milhões de árvores, propondo-nos alcançar os 21 milhões em 2025. Desta maneira, estamos a compensar as emissões inevitáveis, o que constitui um proveito.
Olhando agora para a empresa propriamente dita, que passos dá com vista à descarbonização?
Definimos como objectivo, no âmbito da SBTi – Science Based Targets Initiative, alcançar o net zero até 2030, em toda a nossa cadeia de valor e nos três âmbitos de emissões. No scope 1, que se prende com as nossas operações, já alcançámos a neutralidade carbónica em 2023 e estamos a trabalhar para concretizar essa meta nos dois âmbitos restantes.
O que estamos a fazer em concreto? A montante, estamos a trabalhar com os nossos fornecedores – disponibilizando as ferramentas necessárias a alguns deles – no sentido de optimizarem as respectivas emissões e, eventualmente, também atingirem o net zero. Estamos igualmente a desenvolver trabalho conjunto com os nossos fornecedores globais de infra-estrutura – a Google Cloud Platform, a Amazon Web Services e a Microsoft Azure – para que os data centres em que estão alojadas as aplicações SAP sejam cada vez mais consumidores de energia de fontes renováveis e cada vez menos emissores de CO2.
A jusante, evoluímos na relação com os nossos clientes. Até há alguns anos, a SAP focava-se muito no licenciamento das soluções, deixando para o cliente a possibilidade de optar por um data center ou adquirir hardware e gerir os seus sistemas. Nessa altura, era mais difícil medirmos o impacto em termos de emissões. O que estamos a fazer, inclusive em Portugal, é deixar de vender um produto e passar a disponibilizar um serviço, fornecendo também a infra-estrutura com base num dos três parceiros que referi. Neste novo contexto, somos nós que gerimos as aplicações, o que nos dá a possibilidade de optimizarmos as emissões de CO2 decorrentes da utilização das nossas aplicações, deste modo, controlando muito melhor a nossa cadeia de valor.
Num outro nível, estamos a converter a nossa frota automóvel com o objectivo de, a partir de 2026, dispormos exclusivamente de veículos eléctricos. Nos nossos escritórios em Portugal, instalámos quase meia centena de carregadores e vamos iniciar um programa de comparticipação para a instalação de carregadores em casa.
Além disso, possuímos um sistema de gestão de viagens, o Concur, que nos permite ver qual o impacto das deslocações em função do meio de transporte que escolhemos. Mais uma vez, é uma questão de transparência: acreditamos que, se mostrarmos o impacto das decisões no dia-a-dia, as pessoas ficam mais sensibilizadas e é mais fácil a optimização que defendemos.
Este conteúdo está inserido no projecto "Descarbonização: que caminho para Portugal?", que inclui ainda case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema da descarbonização em Portugal.