Inovação em saúde: que desafios?

Pensar a saúde de forma holística, integrando sustentabilidade e inovação, é o desafio para Portugal. Essa foi a mensagem da 1ª edição do Prémio “Inovação em Saúde – Todos pela sustentabilidade”.

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Henrique Casinhas

Esta é uma iniciativa da Faculdade de Medicina de Lisboa, da Sanofi e da NTT DATA.

Coube ao director da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e presidente executivo do júri, João Eurico da Fonseca, abrir a sessão, o que fez advogando a importância de se avaliar o impacto da inovação nos sistemas de saúde, à luz da sustentabilidade orçamental do sector. Focando-se na transformação digital, reconheceu que constitui uma promessa, desde logo no seu lado mais palpável, o da gestão de informação, mas também no que concerne ferramentas como a Inteligência Artificial (IA) e o seu potencial no diagnóstico anatomo-patológico. “Em breve vai bater à porta do gabinete de consulta, mas nada substituirá a decisão final, que é do médico”, considerou.

Sobre a IA pronunciou-se igualmente a Country Lead da Sanofi Portugal, Helena Freitas, partilhando o potencial desta tecnologia na identificação das populações-alvo para a investigação clínica e na redução do tempo dos ensaios, o que permitirá acelerar o acesso a novos medicamentos e vacinas. “Temos um lema – We Never Settle – e o compromisso de liderar a investigação clínica globalmente, com foco na inovação e no acesso a tratamentos de última geração”, frisou, inscrevendo nessa estratégia o Prémio “Inovação em Saúde”.

Um prémio que – como sublinhou, de seguida, o partner e head of Public Sector & Health da NTT DATA Portugal, Ricardo Constantino – reflecte uma visão integrada e multidisciplinar sobre a inovação em saúde. Só assim é, de facto, transformadora: “A inovação não é apenas sinónimo de eficiência ou de transformação tecnológica”, afirmou, defendendo que deve criar impacto real e positivo na sociedade, impondo-se uma abordagem humanista.

Na sua perspectiva, “valorizar a inovação clínica é mais do que reconhecer boas ideias, é criar condições para que possam crescer, testar-se e transformar-se em soluções práticas e eficazes para os problemas de saúde”.

Caminhos para o futuro

Quando se fala em transformação fala-se em caminhos para o futuro e foi sobre estes temas que se debruçou o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe. E, no que se refere à realidade nacional, defendeu que é preciso criar mecanismos para a inovação. É que não obstante o nível de ensaios clínicos autorizados estar a aumentar, o ritmo é inferior aos países com os quais Portugal “se deve comparar”, entre eles Bélgica e Holanda.

“Temos de ter uma estratégia com pés e cabeça para sermos verdadeiramente competitivos como país para ensaios clínicos”, sustentou, adicionando uma outra questão à sua reflexão: o preço da inovação. “A inovação está a entrar, uma acrescenta mais valor do que outra, mas é toda muito cara”, comentou, avançando com os números da despesa hospitalar com medicamentos: desde 2021 que cresce a dois dígitos.

A propósito, deu conta de que o esforço dos doentes no ambulatório é proporcionalmente superior ao do Estado, o que é preciso ter em consideração quando se fala em sustentabilidade. Neste âmbito, advogou a necessidade de usar ao máximo o potencial dos medicamentos genéricos e bio-similares como forma de libertar recursos para continuar a pagar a inovação.

Um barómetro com lições

Caminhos para o futuro são também os apontados pelo Barómetro de Inovação Clínica, cujos resultados foram apresentados pela head of Clinical Innovation da NTT DATA, Patrícia Calado. Desenvolvido no âmbito deste prémio, procurou conhecer a visão dos Centros de Investigação Clínica.

A primeira conclusão que emergiu foi que a maioria dos 35 centros respondentes considera ter um reconhecimento elevado ou total das respectivas administrações, com o reconhecimento pela sociedade e pelos doentes a estar nos antípodas.

Como prioridades, elegem a capacitação das equipas e a desmaterialização de processos, precisamente as áreas que já colhem maior investimento. Em contrapartida, o aumento da literacia da população é o domínio com menor aposta.

No que concerne a capacidade e autonomia, a maioria assume que é elevada ou total em temas como a definição da estratégia e dos indicadores de desempenho. Todavia, o mesmo não se passa na contratação e atribuição de incentivos. Quanto ao desenvolvimento de carreiras, a existência de tempo protegido para investigação está no topo das prioridades.
Perante estes resultados, Patrícia Calado deixou uma pergunta: “Estamos a fazer o suficiente em Portugal para tornar a inovação clínica uma prioridade nos nossos hospitais e instituições de saúde?”.

Estratégia precisa-se

Do painel de discussão “Investigação e Inovação Clínica em Portugal – Estratégia e Desafios” emergiram algumas perspectivas que podem contribuir para responder a essa pergunta.

O presidente da AICIB – Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, Nuno Sousa, começou por notar que Portugal é dos poucos países europeus a crescer no que toca à inovação clínica, ainda que de forma pálida. E com um défice evidente na investigação clínica de iniciativa do investigador, que classificou como “muito pobre” e lesiva da capacidade de inovar e de atrair e reter talento.
Também o director da Unidade de Ensaios Clínicos do Infarmed, Joel Passarinho, corroborou a ideia de que o crescimento dos ensaios clínicos em Portugal é “anémico face ao potencial” desejado. E manifestou a convicção de que o regulamento europeu sobre ensaios clínicos será uma oportunidade: é que, criar um portal único para submissão de pedidos de autorização, dará a Portugal mais tempo para o recrutamento de doentes, logo, ganhando capacidade para a realização de ensaios.

Esta é uma realidade que Filomena Pereira conhece bem. Como doente com uma doença rara, integra um ensaio clínico internacional num hospital público português. Uma experiência que descreveu como positiva no que respeita o acesso a medicamentos inovadores, mas que se depara com alguns obstáculos suscitados pelo desconhecimento da patologia e pelo défice de comunicação e de informação.

Défice existe, igualmente, no reconhecimento da investigação clínica, como atestou a investigadora do iBET, Patrícia Gomes Alves. É, na sua opinião, um obstáculo ao avanço, a par com a falta de financiamento. Daí que tenha preconizado “uma estratégia de top down”, que permita transpor a inovação para a prática clínica.

Também Patrícia Calado, head of Clinical Innovation da NTT DATA Portugal, enfatizou a necessidade de uma estratégia para pôr fim à secundarização da investigação clínica. “Não houve verdadeiramente definição de políticas, nomeadamente a criação de incentivos fiscais para atrair investimento”, sublinhou, manifestando que é igualmente importante que haja nas organizações um maior reconhecimento, concretizado em autonomia.

Partilhando desta visão, o presidente da Unidade Local de Saúde do Alto Ave, Pedro Guimarães Cunha, advogou esta capacitação, pugnando pela criação de espaço para contratação de investigadores. “Sentimos dificuldade em desenvolver uma actividade que queremos ver florescer”, comentou, sublinhando a importância de fazer chegar a investigação clínica aos doentes.

O que pode a saúde fazer pela economia?

A ausência de estratégia perpassou a intervenção da presidente do júri e ex-ministra da Saúde, Maria de Belém Roseira, que chamou a atenção para o facto de a saúde ser o domínio que mais se aproxima das áreas de soberania. “A guerra tem um enorme potencial destrutivo, mas basta pensar na Covid-19 para se perceber o enorme potencial destrutivo da doença”, justificou.

Em seu entender, importa “construir uma política de saúde que contemple o seu reconhecimento como motor do desenvolvimento económico e social do país”. “Temos de passar da discussão sobre o défice na saúde, porque simplifica o que a saúde pede à economia, para perguntar o que a saúde pode fazer pela economia”, argumentou.

Esta sessão de entrega do Prémio “Inovação em Saúde” terminou com uma mensagem vídeo da secretária de Estado da Saúde, Ana Povo, que destacou a relevância de associar inovação e sustentabilidade, reconhecendo o mérito dos projectos distinguidos por apresentarem alterativas de utilização mais eficiente dos recursos.

Aumentar a eficiência

A tecnologia desempenha um papel central em saúde, podendo contribuir para aumentar a eficiência num sistema que é muito pressionado pela procura, como o português. Esta é a visão do partner e head of Public Sector & Health da NTT DATA Portugal, Ricardo Constantino.

Na sua óptica, a tecnologia tem o mérito de gerar alternativas à gestão dessa procura, por via de ferramentas de sensibilização para comportamentos saudáveis que vão manter as pessoas fora das unidades de saúde, aliviando, assim, a pressão.

O importante, porém, é adequar o modo como se olha para estas respostas. “Queremos utilizá-las logo nas situações mais diferenciadas, mas temos de começar pela base, pelas soluções administrativas, de optimização da oferta e da procura, de planificação e de previsão. E só depois pensar como as vamos usar para ajudar a definir a patologia, a terapêutica, a cirurgia”, defendeu.

Acelerar a retenção

Mais de oito milhões de euros investidos em Portugal nos últimos três anos e dez ensaios clínicos lançados em 2024. São estes os números que sustentam a afirmação da Country Lead da Sanofi Portugal, Helena Freitas, de que a inovação está no ADN da farmacêutica. “Queremos ser a empresa n.º 1 à escala mundial em termos de inovação e atrair investimento para Portugal”, reforçou.

É neste contexto que se enquadra o Prémio “Inovação em Saúde”, de que destacou o denominador comum – todos pela sustentabilidade. E – elogiou – a qualidade das candidaturas “vem mostrar que é possível inovar em Portugal de uma forma sustentável e replicável”: “Temos de continuar a investir no ecossistema da saúde, no talento”, preconizou, considerando essencial a aposta no jovem talento atendendo a que a área científica em Portugal exporta muitos jovens. “Estas iniciativas incentivam a retenção, são aceleradoras de motivação”, concluiu.

Capacitar os alunos

Consciencializar os futuros profissionais da saúde para a pegada ecológica do sector é um compromisso assumido a nível europeu, de que dá conta o director da Faculdade de Medicina da Universidade da Universidade de Lisboa e presidente executivo do júri do Prémio Inovação em Saúde, João Eurico da Fonseca. E nesse sentido estas questões passaram a integrar os currículos, capacitando os alunos também para as repercussões económicas e sociais da práctica médica.

“A saúde é, por definição, um negócio que tem dificuldade em tornar-se rentável. É muito difícil aumentar a rentabilidade dos cuidados de saúde, quer do ponto de vista do rácio de profissionais face ao outcome, quer no equilíbrio entre a introdução da inovação tecnológica e os custos que envolve”, sustentou.

E, porque os orçamentos da saúde “não crescem até ao infinito” e não podem entrar numa “competição impossível” com outros requisitos orçamentais, defendeu que os médicos têm de ser capacitados para as limitações económicas e sociais da saúde.

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