Queima de biomassa e incêndios: dos mitos à realidade

No plano nacional, os dados sobre incêndios em áreas florestais não revelam qualquer impacto positivo da aposta nas centrais de queima de arvoredo ou partes deste para a produção de eletricidade.

Ouça este artigo
00:00
04:07

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A Biofuelwatch, organização não-governamental, com intervenção no Reino Unido e nos Estados Unidos, e a Acréscimo, associação cívica sediada em Lisboa, vão apresentar no corrente mês os resultados de um estudo sobre o impacto no perigo de incêndio florestal da queima de biomassa para a produção de eletricidade. Entenda-se por incêndios florestais, no caso presente, aqueles que ocorrem em áreas ocupadas por povoamento de árvores de espécies silvícolas.

Antecedendo a publicação do estudo será divulgado um documentário, já no próximo dia 14, na Cova da Beira, onde intervêm investigadoras e docentes universitárias subscritoras, em 2018 e em 2021, a par de várias centenas de cientistas, de cartas dirigidas ao Parlamento Europeu e aos principais líderes mundiais, alertando para os prejuízos em termos de acréscimo de emissões de GEE, de poluição e de perda de biodiversidade decorrente da massificação da utilização de biomassa florestal primária na produção de energia.

O documentário e o relatório analisam a evolução do perigo de incêndio face à presença de unidades de queima de biomassa para a produção de eletricidade, com destaque para a instalada no concelho do Fundão, em área limite à autoestrada A23.

Tendo em conta os dados de áreas ardidas divulgados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a tendência registada antes e após a instalação da unidade no Fundão persiste em crescimento. Ou seja, desde o início da entrada em exploração dessa central não se verificou qualquer benefício em termos de redução da área ardida num raio de cinquenta quilómetros em torno desta.

Importa ter em consideração que a madeira ardida continua a deter capacidade de uso industrial, mais ainda para ser queimada em centrais a biomassa. Todavia, o preço da mesma pago à produção anula-se ou decresce substancialmente, tal como decresce o teor de humidade dessa madeira. Ou seja, duas vantagens simultâneas para o setor da produção de eletricidade a partir da queima de biomassa. Na região do Fundão e Covilhã têm sido recorrentes os incêndios em áreas florestais, incluindo em 2024.

Ainda no que respeita à unidade de queima do Fundão, não deixa de ser caricato que a mesma tenha sido instalada em terrenos contíguos a habitações preexistentes e tenha entrado em exploração sem as devidas autorizações emitidas pela Agência Portuguesa do Ambiente e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro. Não dispõe dos devidos títulos, mas mesmo assim mantém-se em exploração. Uma curiosa faceta portuguesa!

Para além do ruído produzido para os residentes nas proximidades, afigura-se haver inequívoca debilidade na avaliação dos impactos negativos provocados por esta central na saúde pública. Mas, o que é que isso importa? Trata-se de um projeto de interesse nacional, financiado por generosos fundos públicos e com exploração assegurada por alcavalas suportadas pelos consumidores de eletricidade.

No plano nacional, os dados sobre incêndios em áreas florestais não revelam qualquer impacto positivo da aposta do país nas centrais de queima de arvoredo ou partes deste para a produção de eletricidade. A aposta, tal como desenvolvida, viável apenas pelo recurso ao erário público, não demonstra o argumento principal dos defensores deste tipo de recurso energético. Ou seja, na redução do perigo de incêndio. De facto, os dados comprovam que tal argumento não passa de um mito. A realidade é que este sector tende a beneficiar-se com as áreas ardidas em povoamento florestal.

Outros dois mitos associados à queima de biomassa lenhosa na produção de energia são de que se trata de uma fonte renovável e de que o balanço em carbono é nulo. A realidade é que a contabilidade associada a tais argumentos é manipulada no sentido de anular os fatores negativos.

São vários os estudos que associam esta queima a maiores níveis de poluição e de emissões, a par de contribuírem para a contração da área de coberto arbóreo e, desta forma, para a perda de biodiversidade.

No fundo, a queima de arvoredo ou partes deste não passa de uma biofarsa! É isso o que decorre do estudo e do documentário que serão apresentados publicamente. Tal iniciativa da Biofuelwatch e da Acréscimo são um alerta para os efeitos nefastos dos anunciados futuros investimentos nesta fonte de energia insustentável e com impacto negativo na saúde pública.


O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico