Descoberta nova espécie de peixe que apenas existe na bacia do Sado

Cientistas portugueses identificaram uma nova espécie de água doce, o escalo-do-sado. Só foi descoberta agora, mas pode estar já em perigo devidos às ameaças ao seu habitat.

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O escalo-do-sado foi identificado como uma espécie endémica da bacia do Sado Rúben Oliveira
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Chama-se escalo-do-sado e só existe na bacia hidrográfica do Sado – pelo menos, que se saiba. De seu nome científico Squalius caetobrigus, este peixe em tons cinzento e dourado é agora apresentado por cientistas portugueses num artigo na revista científica Limnetica. Mas não há apenas notícias positivas a serem divulgadas: afinal, o anúncio da identificação desta espécie vem com o alerta de que já estará em risco devido às ameaças que o seu habitat está a enfrentar.

O escalo-do-sado é o mais recente membro da família das espécies de escalos em Portugal. Até agora, só foi encontrado na bacia hidrográfica do Sado e acabou por ser baptizado, pelo menos o nome científico, em homenagem à região de Setúbal: chamaram-lhe Squalius caetobrigus, porque Caetobriga era a forma como os romanos designavam a actual Setúbal.

Sofia Mendes, principal autora do artigo científico agora publicado, disse ao PÚBLICO que o escalo-do-sado não tolera a salinidade e raramente atinge mais de 20 centímetros de comprimento, sendo assim um peixe de pequenas e médias dimensões. Na natureza, o mais frequente é que sejam encontrados exemplares desta espécie com cerca de dez centímetros de tonalidade cinzenta e dourada, com reflexos prateados.

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Normalmente, um escalo-de-sado tem cerca de dez centímetros DR

A genética e a tomografia computadorizada foram as grandes ferramentas que permitiram identificar a nova espécie. A genética inaugurou o caminho: estudos de diferentes espécies de escalos na Península Ibérica têm permitido perceber que há uma grande diferenciação entre a população deste grupo no Sado. “Os escalos do Sado mostravam sempre ser geneticamente bastante diferentes dos restantes”, indica Sofia Mendes, doutoranda do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Mas o que veio dar nome a um novo escalo foi mesmo a tomografia computadorizada, que possibilitou uma análise pormenorizada aos ossos do peixe. O seu uso foi essencial, visto que não é possível distinguir muitos dos escalos a olho nu. “Estas comparações revelaram que a nova espécie do Sado tem características únicas que a distinguem das restantes espécies de escalos da Península Ibérica, por exemplo ao nível do número de escamas da linha lateral ou de certas características dos ossos do crânio”, indica Sofia Mendes, citada num comunicado do CE3C. O estudo permitiu perceber que existem escalos-do-sado por toda a bacia hidrográfica do Sado, nomeadamente nas ribeiras de Grândola, Marateca, São Martinho, Odivelas, Corona e Campilhas.

Ainda no comunicado, destaca-se a importância das comparações feitas com os peixes de colecções do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid. Ao PÚBLICO, a investigadora acrescenta que estas colecções foram essenciais para que se pudesse comparar escalos da bacia do Sado com os de bacias hidrográficas do Tejo ou do Guadiana. “Dado que a maioria das espécies de escalos da Península Ibérica está ameaçada, a utilização de amostras de museu permitiu minimizar o impacto de novas amostragens destas populações”, sublinha Sofia Mendes.

O escalo-do-sado acabou de ser identificado e ainda não tem um estatuto oficial de ameaça, mas Sofia Mendes refere diferentes factores de risco: a alteração e degradação dos cursos de água que habita, a introdução de espécies exóticas (ou seja, que foram transportadas do seu habitat natural para outros lugares) que vão competir por habitat e alimento ou podem ser suas predadoras, e as alterações climáticas, associadas a períodos de seca cada vez mais prolongados.

Mas saber que há uma nova espécie é sempre uma boa notícia, como nota Sofia Mendes: “Esta descoberta vem mais uma vez reforçar que Portugal se encontra num hotspot [centro muito activo] de biodiversidade.” A investigadora salienta que a diversidade de espécies de peixes de água doce na Península Ibérica “é imensa” e que, em Portugal, há dez espécies endémicas de peixes de água doce, ou seja, que não existem em mais nenhum lugar do mundo.