Em terras de petróleo, luta-se por justiça climática?
“Dádivas de Deus” não é exatamente como eu costumo ouvir petróleo e gás a serem descritos. Mas foi assim que lhes chamaram na COP29 – a conferência na qual, em teoria, se deveria chegar a um acordo para o fim destes combustíveis. Se são dádivas de Deus, não era melhor deixá-los quietos?
A COP29 ficará na minha memória como uma tragicomédia climática. Vi uma conferência com mais lobistas fósseis (1773) do que o total de delegados dos 10 países mais vulneráveis à crise climática; vi o governo talibã, não reconhecido por nenhum Estado no mundo, a marcar presença nas negociações internacionais; vi o presidente argentino, Javier Milei, a retirar a delegação do seu país antes do final das negociações; cruzei-me com membros do partido Chega que por lá circulavam, apesar de serem negacionistas das alterações climáticas; e deparei-me até com Ronaldinho Gaúcho – sim, o craque brasileiro. Mas o verdadeiro fracasso foi outro: o acordo de financiamento alcançado, descrito como “uma ilusão de ótica”, uma “piada cruel”, de 300 mil milhões de dólares anuais prometidos até 2035 – uma fração do necessário para realmente enfrentar a crise climática.
Enquanto isso, a sexta grande tempestade em um mês assolava as Filipinas. Uma vez mais, quem chegou à mesa de negociações em busca de um salva-vidas para enfrentar a crise recebeu afinal, em troca, uma frágil tábua de madeira à qual se agarrar. Os subsídios aos combustíveis fósseis atingiram o valor recorde de 1,7 biliões (à portuguesa, o equivalente aos triliões anglo-saxónicos) de dólares em 2022, e a despesa militar global atingiu um máximo histórico de 2,4 biliões de dólares apenas em 2023. No entanto, os países ricos repetiram o teatro da escassez financeira, ignorando o custo superior da inação.
Noutras frentes das negociações globais, o poder desproporcional das indústrias de combustíveis fósseis também se fez sentir. No INC-5, em Busan, Coreia do Sul, 220 lobistas destas indústrias – o maior número já registado, segundo o CIEL – superaram delegações como as da União Europeia e dos Pequenos Estados Insulares do Pacífico. Apesar da pressão de mais de 85 países por um acordo juridicamente vinculativo para eliminar os plásticos mais nocivos, a oposição de Estados petroquímicos impediu qualquer avanço.
Agora, os nossos olhos voltam-se para a COP30, no Brasil. Mas vejamos: se por um lado, esta cimeira representa a oportunidade única de se realizar num país megadiverso, guardião da maior floresta tropical do mundo e palco de culturas indígenas riquíssimas; por outro, um relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revelou que, para cada R$1,00 investido em energia renovável, o governo brasileiro gasta R$4,50 em fontes fósseis.
Se por um lado, o Brasil alcançou avanços significativos na redução das emissões provenientes do desmatamento; por outro, continua a ser o maior produtor de petróleo da América Latina e mantém planos de expansão na exploração de combustíveis fósseis. Coloco então a pergunta inevitável: afinal, como ficamos? Se o Brasil quer ser reconhecido como um líder climático, é agora que o verdadeiro teste começa.
O fraco acordo de financiamento a que acabámos de chegar poderá ameaçar a ambição das negociações para a COP30, pois os compromissos climáticos nacionais (conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas — NDCs), que os países devem submeter até fevereiro de 2025, dependem dos recursos disponíveis para a sua implementação. Afinal de contas, sem financiamento climático real, como poderão os países em desenvolvimento implementar medidas mais ambiciosas?
Mas, para a cimeira em Belém, algumas prioridades já estão definidas. Uma delas é a aceleração de uma transição energética justa, com metas ambiciosas e o estabelecimento de um calendário global para a eliminação dos combustíveis fósseis, garantindo, simultaneamente, acesso equitativo à energia limpa. A integração da natureza e dos sistemas alimentares será igualmente crucial, com a união das Convenções do Rio e outros acordos ambientais, a fim de criar um compromisso global unificado para travar o desmatamento, restaurar ecossistemas e promover a agricultura sustentável. Para além disso, será fundamental construir confiança através de mecanismos financeiros transparentes e amplificar as vozes da juventude e das lideranças indígenas.
Esta será a primeira COP em três anos em que teremos a liberdade de nos mobilizarmos nas ruas. O movimento está vivo, bem vivo, e já se prepara para tomar as ruas do Brasil com força e determinação. O entusiasmo é palpável e, com ele, vêm as expectativas de uma mobilização em massa, de dar palco aos povos indígenas, aos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e às comunidades do Sul Global, e de redefinir as bases da solidariedade climática global. Lembraremos o mundo da interconexão entre os ecossistemas, a justiça social e a sobrevivência humana.
Quando estava no Azerbaijão, junto com tantos outros que lutam pela justiça climática, fizemos uma promessa: "Lutaremos pelo direito de todos viverem com dignidade e em harmonia com o planeta, através da visão de um mundo melhor, e usaremos o poder coletivo do nosso movimento para mobilizar e apoiar-nos mutuamente, dentro e fora do movimento climático."
Afinal, diante de tantos conflitos de interesses, o que permanece? Para mim, a força da sociedade civil, que se recusa a desistir. Permanecem os protestos que ecoam por todo o mundo, as análises incansáveis de texto após texto, as reivindicações vincadas e a co-criação de estratégias. Permanecem as noites mal dormidas, as reuniões intermináveis e a determinação em garantir que nenhuma decisão seja tomada sem a nossa presença.
Permanece, também, a sabedoria de uma liderança indígena, que nos recordou: "Reunimo-nos aqui por necessidade – a necessidade de assegurar um mundo mais justo, mais sustentável, mais pacífico, onde muitos mundos possam coexistir em harmonia, entre si e com a Mãe Terra."
É nesse espírito que deposito a minha esperança. E são esses encontros que me lembram: um mundo diferente é possível – e é por esse mundo que estamos a lutar.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico