Grupo de trabalho do CSM para acompanhar processo Marquês é “um descarado abuso de poder”, diz Sócrates

José Sócrates anunciou na manhã deste sábado que vai recorrer da decisão para o plenário do Conselho Superior de Magistratura.

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Ex-primeiro-ministro, José Sócrates, numa das deslocações ao tribunal na fase de instrução da Operação Marquês Daniel Rocha (arquivo)
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Um “descarado abuso de poder” é como o antigo primeiro-ministro, José Sócrates, qualifica a recente decisão do Conselho Superior de Magistratura de constituir um grupo de trabalho para seguir atentamente a tramitação do processo Operação Marquês. “O propósito deste grupo de trabalho é evidente: limitar o direito de defesa e pressionar os juízes a tomar decisões desfavoráveis aos visados”, considerou Sócrates, numa conferência de imprensa esta manhã.

O grupo é constituído por três elementos incumbidos de seguir o tempo de resolução das decisões judiciais face aos sucessivos recursos e incidentes processuais de José Sócrates e de outros arguidos, num que é tido como um dos principais processos da justiça portuguesa.

“A deliberação não ter qualquer critério genérico, não é direccionada a uma espécie de processos, por exemplo, os mais demorados: ela visa um único processo, um processo especial e de excepção, o processo Marquês”, disse Sócrates, para quem este grupo “põe em causa a universalidade da lei que se aplica a todos os processos e a todos os cidadãos”.

“A partir de agora passamos a ter uma jurisdição dicotómica: uma jurisdição processual para os processos comuns e outra de acompanhamento especial para o processo Marquês”, enfatizou, para considerar que o Conselho Superior de Magistratura (CSM) tem competência para avaliar e fazer juízos críticos sobre o que aconteceu no passado a um processo”, mas não tem competência “para condicionar o futuro de um processo” nem para “influenciar o que se vai passar”.

“Neste sentido”, concluiu, “a decisão de criar um grupo de trabalho constitui um descarado abuso de poder”.

Dentro do mesmo raciocínio, Sócrates diz entender que a "extraordinária decisão" de constituir o referido grupo de trabalho põe em causa "a liberdade e a independência dos juízes, que deve ser garantida relativamente a todos os poderes".

"Doravante todos os juízes que intervierem no processo Marquês sentirão os olhos inquisitoriais do grupo de trabalho", insistiu, para dizer entender que a decisão do CSM "tem uma óbvia motivação política" e representa "a fractura exposta de um sistema judicial que está politicamente viciado".

Por tudo isto, Sócrates diz ter entregado um recurso desta decisão ao plenário do CSM. "Quero que o plenário se pronuncie", referiu, sobre o que apresentou como sendo "o primeiro passo para impugnar esta gravíssima deliberação que viola a lei e a Constituição". "Quero conhecer a opinião de todos os membros do conselho. Obtida a resposta, estudaremos os próximos passos", acrescentou ainda.

Sócrates está acusado de 22 crimes, nomeadamente o de corrupção, por ter alegadamente recebido 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, para favorecer os interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo e na Portugal Telecom. A concessão de financiamentos pela Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento de Vale do Lobo e o favorecimento de negócios do grupo Lena integram igualmente o rol de acusações de que é alvo.

Na conferência de imprensa desta manhã, Sócrates criticou de igual modo a decisão tomada esta sexta-feira pelo juiz Francisco Henriques, titular do processo no Tribunal da Relação de Lisboa, de o remeter para julgamento, bem como aos restantes arguidos neste processo. Tratou-se uma tentativa de aproximar o ex-líder socialista do banco dos réus, depois de três magistradas terem, em Janeiro, ressuscitado a acusação do Ministério Público que fora estilhaçada em 2021 pelo juiz de instrução Ivo Rosa.

"Fantasiosas, incongruentes e especulativas"

Apesar de ainda se encontrar pendente no Tribunal da Relação de Lisboa um recurso apresentado pelo primo do antigo primeiro-ministro, José Paulo Pinto de Sousa acusado de ter sido, tal como o empresário Carlos Santos Silva, um testa-de-ferro do principal arguido da Operação Marquês , o juiz Francisco Henriques não lhe conferiu o efeito suspensivo que amaçava travar uma vez mais o processo. Mas o Supremo Tribunal de Justiça ainda poderá vir a fazê-lo, o que poderá vir a retardar o início do julgamento. Tanto Pinto de Sousa como José Sócrates têm contestado por todas as formas que podem a escolha dos juízes que têm proferido decisões na Operação Marquês, numa tentativa de anular deliberações que lhes são desfavoráveis.

​No último mês, porém, Francisco Henriques e duas colegas do Tribunal da Relação recusaram-se a analisar mais recursos até o principal arguido da Operação Marquês pagar todas as custas judiciais em que incorreu até agora. Por norma, só teria de desembolsar os milhares de euros que neste momento está a dever ao Estado no final do processo. Mas estes juízes recorreram a uma disposição legal que pune os arguidos que apostam tudo nas manobras dilatórias com a antecipação do pagamento das custas. Há uma semana, outro trio de juízes, desta vez do Supremo Tribunal de Justiça, seguiu o exemplo dos colegas de segunda instância e recorreu à mesma disposição legal para refrear o ímpeto litigante de José Sócrates.

Para o ex-primeiro ministro, esta decisão de remeter o processo para julgamento é outro abuso. "No fundo, o senhor juiz pretende transformar um acórdão que está em debate num acórdão transitado em julgado", acusou, para sustentar que "não é possível que um acórdão de Janeiro entre em vigor sem antes se esgotarem os direitos de recurso". "O senhor juiz quer pôr em causa os direitos da defesa, nomeadamente o direito a recorrer", criticou, sustentando ser "impossível mandar para julgamento um processo sem que haja acusação nem pronúncia".

"Neste momento", frisou, "este processo não tem uma coisa nem outra" e "o que é efectivo no processo Marquês é ainda a decisão do juiz Ivo Rosa de Abril de 2021", a qual considerou que todas as acusações que o visavam eram - ainda na qualificação do próprio Sócrates - "fantasiosas, incongruentes e especulativas".

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