Descobertas em Portugal novas espécies de planárias, um verme que “cuida” do litoral

Cientistas ibéricos descobriram cinco novas espécies de planárias marinhas na Península Ibérica, duas delas em Portugal. Estes vermes achatados contribuem para o equilíbrio dos ecossistemas costeiros.

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Plehnia cascaiensis, uma das espécies de planárias marinhas encontrada na costa portuguesa Mónica Albuquerque/DR
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Cientistas portugueses descreveram duas novas espécies de planárias marinhas em Cascais, na região de Lisboa, em Portugal. Estes seres vivos desconhecidos até agora receberam nomes científicos alusivos ao município e país onde foram encontrados: Plehnia cascaiensis e Izmira lusitanica. Quase imperceptíveis a olho nu, estes vermes achatados desempenham um papel importante na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas costeiros.

Não é todos os anos que se descobrem novas espécies em Portugal. Foi uma conjugação de esforços. Por enquanto, estas espécies são exclusivas em Portugal. Ainda não foram identificadas noutros locais, o que não quer dizer que não existam”, explicou ao PÚBLICO o biólogo Gonçalo Calado, da Universidade Lusófona em Lisboa, co-autor do artigo publicado na revista Zoosystematics and Evolution.

A descoberta insere-se no plano de doutoramento da investigadora espanhola Patricia Pérez-García, da Universidade de Cádis, em Espanha, em parceria com cientistas da Universidade Lusófona. Ao todo, foram identificadas cinco novas espécies de planárias marinhas, mas só duas delas em Portugal (mais precisamente uma na costa de Cascais e outra na zona entremarés da Área Marinha Protegida das Avencas).

Duas novas espécies portuguesas

A planária marinha descoberta em Cascais - daí ter sido baptizada de Plehnia cascaiensis - tem uma coloração alaranjada, com algumas manchas mais escuras ao longo do corpo. Com um corpo carnudo e alongado, a espécie tem tentáculos presentes na nuca, olhos tentaculares dispostos em dois grupos, localizados logo abaixo dos tentáculos, refere o artigo científico.

As características únicas como o seu padrão dorsal manchado, vagina externa larga e a vagina interna longa, levaram-nos a considerar os exemplares de Cascais como uma espécie distinta, concluíram os investigadores.

A Izmira lusitanica, por sua vez, apresenta uma coloração mais amarelada. Possui um corpo transparente, com tentáculos ausentes, olhos cerebrais, gonóporos separados e uma vesícula seminal pequena em forma de feijão”, refere o documento. Esta espécie, descoberta na Área Marinha das Avencas, destaca-se por ser o primeiro registo do género Izmira fora do Mediterrâneo”.

Segundo é explicado no estudo, estima-se que o número global de espécies de invertebrados marinhos na Península Ibérica seja ainda desconhecido. A Península Ibérica é uma região de elevado interesse para a biodiversidade devido à convergência de duas massas de águas diferentes (oceano Atlântico e Mar Mediterrâneo) e às alterações ambientais resultantes, lê-se no artigo. Estes factores ambientais contribuíram para o surgimento de um local favorável ao endemismo e à migração de espécies não nativas de outras áreas da região”, segundo a mesma fonte.

O que são as planárias marinhas?

As planárias marinhas são vermes achatados, pertencentes ao filo Platyhelminthes, ajudam a manter os ecossistemas costeiros equilibrados. Estes pequeninos seres prestam serviços ecológicos através do controlo de populações de pequenos invertebrados, dos quais são predadoras, e da reciclagem de nutrientes nas zonas litorais.

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A espécie Izmira lusitanica foi recolhida na zona de entremarés da Área Marinha Protegida das Avencas DR

Estes seres marinhos são muito importantes para a preservação dos ecossistemas uma vez que se alimentam de matéria orgânica em decomposição, transformando os resíduos em nutrientes acessíveis para outros organismos marinhos. As planárias são ainda fontes de alimento para outras espécies, como os peixes e outros animais marinhos, contribuindo para a cadeia alimentar.

Gonçalo calado explica que as planárias podem ser muito sensíveis a alterações no ambiente, especialmente a variações nos níveis de poluentes e toxinas na água. Este processo é crucial para o ciclo de nutrientes nas zonas litorais”, acrescenta o co-autor.

As planárias são minúsculas, podendo medir entre um a cinco centímetros e apresentar apenas um milímetro de espessura. Dotadas de uma capacidade de regeneração notável, reconstroem partes do seu corpo quando são divididas. A coloração destes organismos varia: dependendo das espécies, podem ter cores mais vibrantes ou até serem translúcidas.

Não é logo à primeira que sabemos que é uma espécie nova. É uma espécie que, à vista desarmada, não é possível identificar. A maioria das pessoas não sabe o que está a ver e várias espécies só conseguem ser identificadas em laboratório, acrescenta o biólogo português.

Estes organismos não gostam muito de luz e, por isso, são muitas vezes encontradas debaixo de pedras. E são hermafroditas, o que significa que possuem órgãos sexuais masculinos e femininos, podendo reproduzir-se tanto sexualmente como por fragmentação. Este processo de reprodução assexuada consiste na divisão do indivíduo inicial, que dá origem a um novo organismo.

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Espécies de planárias marinhas encontradas em Portugal DR

Uma fauna ainda pouco conhecida

Em 2021, Filipa Gouveia investigou as planárias marinhas no litoral português, um estudo nunca antes realizado no país sobre a diversidade desta espécie, em parceria com Patricia Pérez-García e Gonçalo Calado. Foram identificadas 41 planárias marinhas, a maioria na praia das Avencas (28), tendo as restantes sido encontradas na praia do Baleal (sete), na Arrábida (três) e em Tróia (três). O primeiro passo é saber o que temos, identificarmos as espécies e só depois entender o valor que elas trazem aos ecossistemas, explica o biólogo.

O estudo das planárias marinhas ainda é limitado, não só em Portugal mas também no panorama mundial. Esta é uma área muito desconhecida, há poucas pessoas a estudá-la, refere Gonçalo Calado. O biólogo explica que estas espécies são excelentes contributos para a fauna da Península Ibérica e que ainda existe muito trabalho a ser realizado nos anos vindouros. O próximo passo na investigação é identificar mais planárias e entender a dimensão que esta espécie tem na costa portuguesa.

Dadas as características das planárias, a sua presença na costa e a saúde das populações podem ser usadas para monitorizar a qualidade ambiental das zonas litorais. Portugal tem 832 quilómetros de costa atlântica e, acreditam os cientistas, pode acolher mais espécies que ainda não foram encontradas e identificadas.

Texto editado por Andréia Azevedo Soares