Samuel Úria olha para o mundo: "Está a haver muitas rupturas, mas não as rupturas certas". O mote foi uma canção, 2000 A.D., que acabaria por ser o título do novo álbum de Samuel Úria, editado esta sexta-feira. Canta ele:

Eu declaro o presente hostil
Vou avançar para o ano 2000.
Sigo urbano, sigo civil, vai ser melhor em 2000.

É uma canção sobre uma ideia de um futuro, cristalizada nesse ano outrora mítico, o 2000 de todas as profecias tecnológicas, que se perdeu. Mas, escreve Mário Lopes no tema de capa deste Ípsilon, o novo álbum de Úria (merecedor de quatro estrelas) não é "um lamento": "voz activa e actuante", o ex-professor de Educação Visual "canta de frente para o nosso tempo".

 
           
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O futuro chegou e não é bonito. "A ideia do futuro não era um património de dilemas. Eu não achava que iria ter de lidar com a ascensão dos populismos e das extremas-direitas, muito menos em Portugal. Acreditava mesmo que Portugal estava vacinado. Percebo que é uma ingenuidade", diz ele nesta conversa no bar Procópio, onde, noutros tempos, a boémia e a intelectualidade lisboeta bebiam e conversavam alegremente noite fora.

O que Samuel Úria faz pelo presente é cantar. "A canção enquanto uma arma de altruísmo, não por estar propriamente a tentar ajudar as criancinhas em África. É o activismo necessário, o activismo ao qual eu não consigo escapar e do qual não quero escapar também. O disco é uma manifestação de vontade. Há um proclamar pró-activo, assertivo, daquilo que tem que ser dito."

Ainda sobre o mundo, este mundo, ouçamos Rachel Kushner. Prepare-se, vem aí citação longa:

"Foi para mim bastante terapêutico lidar com a ferida da existência contemporânea – porque vivemos nesta realidade em que a forma como nos desmaterializámos na Internet é bastante estranha. Ainda não a compreendo muito bem. E criou em mim uma sensação que não consigo enfrentar facilmente, por ser demasiado forte, que é a de que há um vazio a abater-se sobre nós a toda a hora. Como se nada fosse realmente importante. Nada do que compramos tem de durar, porque, se se estraga, compramos uma coisa nova. Como se nenhuma vida fosse realmente preciosa. Posso andar na rua, em Los Angeles, e há pessoas no passeio a ter uma crise mental e um colapso e nada disso tem importância. Há a sensação estranha de que sabemos que a vida é preciosa, mas o seu valor e o quão valiosa ela é e valiosas as pessoas são não se reflectem em nós continuamente. O livro é a minha tentativa, não de resolver essa contradição, mas de a exprimir e de mostrar que tenho consciência de que vivo nela."

Contra este estado de coisas, a autora do romance O Lago da Criação dá, na entrevista ao Ípsilon, a sua receita: "Não fumo marijuana. Dou pequenas baforadas de alegria".

Mergulhando nos registos e nas memórias de uma colónia para filhos de presos políticos, em 1972, Marco Martins põe em palco aqueles que viveram a história e a sua transmissão. É A Colónia, até 14 de Dezembro na Culturgest, Lisboa, em Janeiro no Teatro Nacional São João, Porto.

Com o livro Vida de Artista entramos-lhe em casa, cruzamo-nos com os seus vizinhos, agarramos nos seus cartazes. Irónico e melancólico, o mundo de André Ruivo vale mesmo a pena.

"É preciso redescobrir a potência primitiva do cinema", diz Leos Carax, a propósito do filme C’Est Pas Moi – Não Sou Eu. Uma conversa imperdível onde o realizador francês, "xamã" de Godard, declara: "A origem do cinema é muito mais o circo do que o teatro ou a literatura. O espectáculo de rua, as acrobacias, os monstros… penso que foi sobre isto que o cinema realmente cresceu".

Também neste Ípsilon:

– Cinema: críticas a Conversas com o Diabo, Made in England: Os Filmes de Powell e Pressburger e Blitz;

– Música: Plutónio; Manuel João Vieira (ainda só disponível na edição impressa); e críticas aos novos discos de Kim Deal e Nuno Cernadas;

– Exposição: com Amadeo, Viana e os Delaunay, o orfismo no Guggenheim de Nova Iorque;

– Literatura: críticas a Enublado Dizes, de Marcos Foz, e Bambino a Roma, de Chico Buarque.

E não só. Boas leituras!


O Encontro de Leituras comemora o seu quarto aniversário com Tiago Ferro. O escritor brasileiro estará no clube de leitura do PÚBLICO e da Quatro Cinco Um a conversar sobre o romance "O seu Terrível Abraço" no dia 10. A sessão, às 22h de Lisboa (19h em Brasília), acontece no Zoom. Saiba mais


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