Nuno Júdice e Micheliny Verunschk são os vencedores do Prémio Oceanos
Uma Colheita de Silêncios, do poeta português que morreu em Março, venceu na poesia. Caminhando com os Mortos, da escritora brasileira, foi galardoado na categoria de prosa.
Uma Colheita de Silêncios, do poeta português Nuno Júdice (1949- 2024), é o vencedor na categoria de poesia do Prémio Oceanos 2024. Este livro, publicado pela Dom Quixote, já tinha sido inscrito no prémio Oceanos e distribuído pelo júri para ser avaliado quando o escritor português morreu em Março deste ano. Tal como dita nestes casos o regulamento, a obra manteve-se entre as candidatas ao prémio. Caminhando com os Mortos, da escritora brasileira Micheliny Verunschk, venceu na categoria de prosa e foi editado, no Brasil, pela Companhia das Letras.
O anúncio dos vencedores do Oceanos – Prémio de Literatura em Língua Portuguesa aconteceu numa cerimónia realizada nesta quinta-feira, no Itaú Cultural, em São Paulo, no Brasil, com transmissão pela Internet. Selma Caetano, directora da Oceanos Cultura, e Manuel da Costa Pinto, um dos curadores do prémio, conduziram a cerimónia que teve ainda a participação do músico Romulo Fróes, que apresentou as dez obras finalistas através de canções, acompanhado pelos músicos Luiza Brina e Rodrigo Campos. O prémio para cada vencedor é de 150 mil reais (cerca de 24 mil euros).
Na cerimónia, o curador Manuel Costa Pinto realçou o reconhecimento internacional da obra de Nuno Júdice, poeta que “ajudou a mudar a paisagem poética de Portugal", nos períodos antes e pós-revolução dos cravos. “A ironia e a melancolia eram traços de carácter pessoal que sabia transpor para a escrita”, acrescentou o crítico literário. Nuno Júdice “via a finitude com melancolia, mas, para ele, a poesia podia transcender esse limite como deixou eternizado nesses versos”: “(…) Porém,/ o melhor é esconder a mão e não/ fazer contas pelos dedos: há equações/ que nunca se resolvem, e talvez/ seja melhor não as aprender, apenas/ para sentir, no que é finito, o sabor/ do infinito.”
O júri considerou que Uma Colheita de Silêncios, tal como o seu poema Ao Acaso da Estante, musicado para a cerimónia,"expressa a melancolia frente à passagem do tempo e a ternura em relação àquilo que é indelével: a memória". Por sua vez, Caminhando com os Mortos "trata das consequências do fundamentalismo religioso, que envolvem preconceito, violência e misoginia, ao mesmo tempo em que vê no 'mato' uma fresta de esperança". Este é o segundo livro do projecto intitulado Tetralogia do Mato da escritora e historiadora brasileira, que nasceu em Pernambuco em 1972. O primeiro volume é O Som do Rugido da Onça, romance que ficou classificado em terceiro lugar no Prémio Oceanos em 2022.
Caminhando com os Mortos é um livro “perturbador”, disse o curador Manuel da Costa Pinto. Numa pequena cidade no interior do Brasil, uma mulher é queimada viva, num ritual motivado por razões religiosas. O crime choca os habitantes da localidade, mas desde que uma comunidade evangélica se instalou na região, episódios como este tornaram-se cada vez mais comuns. Micheliny Verunschk, como escreve a editora Companhia das Letras, "demonstra como o ódio às mulheres e às minorias atravessa os séculos", principalmente quando existe fanatismo religioso.
"Cumprindo um dos papéis mais fortes da boa ficção, provocando tensões com o real em sua potência imaginária, Micheliny Verunschk nos leva pela mão e pela linguagem ao interior de um Brasil pouco visível, onde habita a fera que pode, também, devorar seu caçador. Se em seu premiado livro [vencedor do Jabuti em 2022] era a onça quem rugia, neste há um imenso silêncio. Assombrado", escreveu sobre esta obra, agora premiada, a jornalista e actriz brasileira Bianca Ramoneda.
A escritora Micheliny Verunschk subiu ao palco na quinta-feira à noite para agradecer o prémio na categoria de prosa e quis celebrar, com todos, "o grande poder da literatura". Apesar de este ser um prémio individual, a escritora quis celebrar com os seus colegas finalistas este prémio para a língua portuguesa. "Essa língua tão bela, tão pujante, tão forte. Num mundo em ruínas como o nosso, ter a arte, a palavra e a literatura como guias é um farol para uma reconstrução ou para um novo mundo."
O prémio é atribuído a livros escritos e publicados em língua portuguesa em qualquer lugar do mundo. Nesta edição houve 2619 livros inscritos. Cinco autores brasileiros, dois cabo-verdianos, um moçambicano e dois portugueses integravam a lista dos finalistas.
Na categoria prosa, além da obra vencedora, eram também finalistas Certas Raízes, da autora portuguesa Hélia Correia (ed. Relógio D'Água); Os Infortúnios de um Governador nos Trópicos, do cabo-verdiano Germano Almeida (ed. Caminho/Leya); Outono de Carne Estranha, do escritor e linguista brasileiro Airton Souza e Meu Irmão, eu Mesmo, do escritor, dramaturgo e cineasta brasileiro João Silvério Trevisan.
Em poesia, as outras obras finalistas eram Criação do Fogo, do escritor moçambicano Álvaro Taruma; Limalha, do brasileiro Rodrigo Lobo Damasceno; Perder o Pio a Emendar a Morte, do poeta cabo-verdiano José Luiz Tavares (ed. The Poets and Dragons Society) e Uma Volta pela Lagoa, da poeta brasileira Juliana Krapp .
O romance Siríaco e Mister Charles do escritor cabo-verdiano Joaquim Arena, publicado em Portugal pela Quetzal, e a obra de poesia O Gosto Amargo dos Metais, da poetisa suíça naturalizada brasileira Prisca Agustoni, editado no Brasil pela 7Letras e pela editora Exclamação, foram os livros vencedores do Prémio Oceanos em 2023.
O Prémio Oceanos tem curadoria de Matilde Santos (Cabo Verde), de João Fenhane (Moçambique), da jornalista colaboradora do PÚBLICO Isabel Lucas (Portugal) e de Manuel da Costa Pinto (Brasil) com coordenação geral de Selma Caetano (Brasil). O prémio passa por três etapas de avaliações. Neste júri final, que elegeu aos vencedores, participaram por Portugal Maria João Cantinho e Nuno Félix da Costa, na categoria de poesia, Manuel Frias Martins e Maria Antónia Oliveira, na categoria de prosa.