Cientistas admitem que SARS-CoV-2 circulou em Portugal antes de Março de 2020
Investigação do INSA indica que os dois períodos de excesso de mortalidade no país mais elevados por causa mal definida ou desconhecida ocorreram em Março de 2020 e em Janeiro e Fevereiro de 2021.
O Instituto Nacional Doutor Ricardo Jorge (INSA) admite que o vírus SARS-CoV-2 pode ter circulado em Portugal antes de Março de 2020, quando foi identificado o primeiro caso, pois nesse mês ocorreu um dos picos de mortalidade por causas desconhecidas.
O estudo sobre o impacto directo e indirecto da pandemia de covid-19 na mortalidade em Portugal entre Março de 2020 e 31 de Dezembro de 2021 indica que as causas de morte mal definidas ou desconhecidas foram a segunda causa de morte directamente mais afectada pela covid-19 nos dois primeiros anos da pandemia e sugere que, no futuro, qualquer aumento inesperado nesta causa de morte funcione como um “sinal de alerta precoce”.
“Nas primeiras manifestações que acontecem, e foi assim que a pandemia, por exemplo, em Wuhan [China] foi descoberta, aparece um conjunto de casos de doenças que não conseguem ser explicadas”, disse à Lusa Ana Paula Rodrigues, a investigadora que coordenou o estudo do INSA, que tinha sido pedido pela antiga ministra da Saúde Marta Temido, que tutelava esta pasta quando a pandemia chegou a Portugal.
A investigação do INSA indica que os dois períodos de excesso de mortalidade mais elevados por causa mal definida ou desconhecida ocorreram em Março de 2020 e em Janeiro e Fevereiro de 2021.
No primeiro caso, de menor intensidade, os investigadores admitem que esteja associado à menor capacidade de testagem e à escassez de recursos existentes nesse período.
“O facto de o aumento desta causa de morte ter tido início antes da primeira morte [oficial] por covid-19 no país pode ser um indício de uma circulação prévia de SARS-CoV-2 que não foi possível identificar”, refere a investigação.
Já o segundo maior excesso de mortalidade por esta causa coincidiu com o período durante o qual os serviços e profissionais de saúde estavam sob elevada pressão na resposta à covid-19, sendo plausível, sob essas condições, “uma menor capacidade de diagnóstico e esclarecimento de todas as mortes”, admitem os investigadores.
Este fenómeno foi identificado noutros países, como os Estados Unidos, Brasil e Itália e por isso chamam a atenção para o seguinte: “Do ponto de vista da preparação da resposta a uma próxima crise de saúde pública, estes resultados sugerem que mudanças inesperadas na frequência de mortes de causa mal definida ou desconhecida possam ser usadas como um sinal de alerta precoce.”
O primeiro caso confirmado de covid-19 em Portugal foi notificado a 4 de Março de 2020 e o primeiro óbito a 16 de Março.
Até 31 de Dezembro de 2021 – final do intervalo do estudo do INSA – tinha, sido notificados 1.408.420 casos confirmados de infecção por SARS-CoV-2 e 18.977 óbitos por covid-19 em Portugal.
Entre Março de 2020 e o final de 2021, ocorreram quatro ondas pandémicas, a mais grave das quais entre Outubro de 2020 e Fevereiro de 2021, com um número máximo de 296 óbitos no dia 27 de Janeiro de 2021. A vacinação contra a covid-19 teve início no país a 27 de Dezembro de 2021.