No Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, os Estados Unidos defenderam que não há outro regime jurídico internacional além do Acordo de Paris para levar os Estados a enfrentar as alterações climáticas. E este funciona num registo voluntário – não há punições se os países não cumprirem as metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa com que se comprometem. Mas esta defesa, no tribunal das Nações Unidas que está a apreciar declarações para emitir um parecer consultivo sobre as obrigações dos Estados em matéria de alterações climáticas, pareceu a de alguém que se obstina em manter os olhos bem fechados. 

O Presidente eleito Donald Trump promete retirar os EUA do Acordo de Paris outra vez, quando tomar posse, em Janeiro. Que horizonte de compromisso deixa isso para os EUA, o país que lançou mais gases de estufa para a atmosfera, em termos históricos? Nenhum, e por isso choveram críticas sobre as declarações norte-americanas, que não foram, afinal, diferentes das de outros países desenvolvidos, ou até da China, que nos dias de hoje é o maior emissor.

É preciso reconhecer que, mesmo que a democrata Kamala Harris tivesse ganho as eleições presidenciais nos EUA, seria muito pouco provável que a posição norte-americana neste caso no TIJ fosse diferente. Durante o mandato de Joe Biden, os EUA tornaram-se o maior produtor e exportador mundial de petróleo e gás natural, e não é de prever que abram mão dessa posição.

Mas, como as eleições deram a Donald Trump as rédeas do poder, a forma como manterá essa dominância será diferente. O petróleo e o gás serão promovidos sem remorsos, sem limitações nem, de preferência, concorrência de energias renováveis, à imagem dos interesses do próprio Presidente. 

Isto porque há um grande vazio de legislação ambiental nos EUA, o que dá aos Presidentes norte-americanos uma enorme autonomia para construir ao seu gosto a política energética e climática, salienta o New York Times. O muito celebrado pacote legislativo Inflation Reduction Act, lançado por Joe Biden em 2022, não estabelece limites de emissões ou define uma estratégia nacional para lutar contra as alterações climáticas: cria antes generosos incentivos para o desenvolvimento de energias renováveis e limpas, e modernização da indústria.

A falta de um enquadramento legal a nível federal – que em parte é preenchido por legislação ao nível dos estados – deixa via aberta para os Presidentes agirem de acordo com as suas inclinações ideológicas, o que provoca enormes alterações, consoante quem esteja na Casa Branca.

Os decretos presidenciais têm sido um instrumento muito utilizado, à falta de consenso no Congresso para aprovar legislação. Donald Trump usou-os no seu primeiro mandato para desfazer a acção climática de Barack Obama, e Joe Biden também, para desfazer o que Trump fez. "É difícil construir uma política estável através de decretos presidenciais", comentou ao New York Times Barry Rabe, especialista em política ambiental da Universidade do Michigan.

Olhando para os nomes das pessoas escolhidas por Donald Trump para a sua Administração que tomarão decisões nas áreas do ambiente e do clima, o que vemos é mesmo uma disposição para desfazer o que está feito, e uma inconsistência no que pensam sobre estes assuntos.

Vejamos alguns exemplos. Vivek Ramaswamy, ex-pré-candidato republicano, milionário devido aos seus investimentos na biotecnologia, tem formação em biologia, e foi escolhido para liderar, juntamente com outro milionário, Elon Musk, o novo Departamento de Eficiência Governativa, cujo objectivo é cortar, cortar, cortar nas despesas e no pessoal da função pública – as agências com competências na área do ambiente devem ser dos principais alvos.

Ramaswamy não se dá ao trabalho de negar as alterações climáticas, mas usa um argumento popular entre os que querem manter o status quo: "As alterações climáticas sempre existiram, desde que a Terra existe" disse à ABC News em Setembro. E não discute que durante o último século e meio a temperatura média global do planeta tem estado a subir — em 2024, a temperatura média do planeta deve ficar acima do limite de 1,5 graus estabelecido no Acordo de Paris. Mas estaria disposto a fazer alguma coisa para mudar a tendência? "A resposta é não", respondeu.

Outro caso interessante é o de Elise Stefanik, escolhida para ser a próxima embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas – que poderá ter um papel importante nas decisões sobre a participação dos EUA nas negociações globais sobre as alterações climáticas. Durante o primeiro mandato de Trump, criticou a retirada do Acordo de Paris: "É um erro, prejudica os esforços para lutar contra as alterações climáticas, e isola os Estados Unidos dos nossos aliados", disse em 2017, numa declaração repescada pelo New York Times.

Mas Stefanik, que enquanto membro da Câmara de Representantes votou a favor da interrupção da exploração petrolífera no Refúgio Nacional da Vida Selvagem do Árctico, no Alasca, e pela manutenção do orçamento da Agência de Protecção Ambiental, teve uma reviravolta que a levou para a órbita de Trump. Assim, pôde dizer tranquilamente, em Março de 2024, que "os americanos já estão fartos das políticas energéticas anti-americanas de Joe Biden e dos democratas de extrema-esquerda".

E, claro, há figuras como Chris Wright, indicado para liderar o Departamento de Energia, que governa a investigação pública sobre energia, aprova a exportação de gás e gere o stock nuclear norte-americano. Fez fortuna com a exploração de gás e petróleo, à frente de uma empresa que presta serviços à indústria da extracção de gás de xisto.

Impactos das alterações climáticas? "Não vimos nenhum aumento na frequência ou intensidade de furacões, tornados secas ou cheias, apesar do alarmismo dos media, dos políticos e dos activistas", escreveu num post no LinkedIn em 2023. ​Wright fecha furiosamente os olhos, ainda que a realidade se imponha por todo o lado.