CEO da UnitedHealth morto em ataque “premeditado”. Atacante está a monte
Brian Thompson foi baleado num hotel e o autor dos disparos fugiu. Era discreto, mas estava sob o escrutínio da justiça norte-americana. As balas tinham palavras gravadas: negar, defender e depor.
Brian Thompson estava alojado no Hilton da Sexta Avenida, na região nova-iorquina de Manhattan, para participar num evento de empresa naquele mesmo dia. Vivia no Minnesota, era discreto e, no entanto, um homem poderoso: tinha nas suas mãos a UnitedHealthcare, a maior seguradora para planos de saúde do mundo e uma das empresas mais rentáveis em todo o planeta. Mas tudo mudou esta quarta-feira, 4 de Dezembro, quando saiu do hotel em direcção à conferência anual de investidores da seguradora norte-americana e acabou morto, baleado à porta do Hilton, por alguém que o esperava na rua. Suspeito continua em fuga.
O perfil comedido de Brian Thompson desfez-se no momento em que morreu. Até ali, a maior polémica que teve de enfrentar remontava a 2021, ano em que assumiu a liderança do UnitedHealth, grupo empresarial que esteve também presente em Portugal durante uma década, entre 2012 e 2022, enquanto proprietário da Lusíadas Saúde. Pouco depois da chegada à chefia do grupo, Thompson foi criticado pela Associação Hospitalar Americana quando tentou recusar o pagamento aos hospitais de serviços médicos prestados a doentes que a seguradora considerou não serem urgentes.
A medida nunca foi para a frente, mas em 2023 voltou a ser colocado em cima da mesa: Brian Thompson tinha planos para criar um modelo de "atendimento baseado em valor", em que os profissionais de saúde receberiam incentivos para manter os clientes saudáveis, em vez de focar os cuidados de saúde em situações clínicas agudas.
Mas, nos bastidores, as polémicas revelaram-se ainda mais complexas: Brian Thompson tinha vendido acções da UnitedHealthcare no valor de 15,1 milhões de dólares apenas duas semanas antes de o Departamento de Justiça (DoJ) ter anunciado que ia processar a UnitedHealth Group Incorporated, empresa-mãe da seguradora.
Em causa estava a intenção do grupo económico em comprar uma empresa rival dedicada à prestação de serviços de saúde e cuidados paliativos, a Amedisys Inc., por 3,3 mil milhões de dólares — um negócio que, tanto para o DoJ como para os procuradores-gerais dos estados de Maryland, Illinois, Nova Jérsia e Nova Iorque, podia violar as leis da concorrência nos Estados Unidos. Brian Thompson é suspeito de ter cometido fraude e de ter abusado de informação privilegiada na venda das acções.
Essa informação ainda não era pública às 6h45 de quarta-feira, mais cinco horas em Lisboa, quando Brian Thompson foi atacado por um homem de máscara, camisola preta e mochila cinzenta que tinha chegado ao hotel apenas cinco minutos antes. O autor dos disparos continua em fuga.
A Polícia de Nova Iorque divulgou esta quinta-feira imagens em que é possível ver o rosto do suspeito, nas quais surge de capuz, sem máscara, gravadas por uma câmara de videovigilância de um hostel em Manhattan, onde as autoridades acreditam que tenha estado alojado nos dias anteriores ao homicídio, com documentos de identificação falsos. Não é claro quando é que estas imagens foram captadas, nem foram adiantados detalhes sobre a sua identidade.
Era um dia especialmente agitado naquela zona: dali a poucas horas ligar-se-iam as luzes de Natal na árvore do Centro Rockefeller, um momento que atrai milhares de norte-americanos, mobiliza a comunicação social e obriga a reforçar a segurança nas ruas.
Nada disso impediu o crime: o atacante ignorou toda a gente, esperou por Brian Thompson e deu "vários tiros" com uma arma alegadamente equipada com um silenciador, dois dos quais atingiram a vítima — um nas costas e outro nos gémeos da perna direita. As imagens de videovigilância mostram alguém a aproximar-se da vítima por trás e a disparar mesmo quando o empresário caía no chão. Uma testemunha fugiu e procurou abrigo, não tendo sofrido ferimentos.
Brian Thompson foi acudido no local às 6h48, dois minutos depois da chamada para a linha de emergência médica, e transportado para o hospital mais próximo, o Mount Sinai West, onde o óbito veio a ser declarado às 7h12 locais. Andrew Witty, o director executivo do UnitedHealth Group, subiu ao palco da conferência anual da empresa às nove da manhã locais, duas horas e 15 minutos depois do ataque, e anunciou que o evento tinha sido cancelado por causa de uma "situação médica muito grave", sem especificar o que tinha acontecido.
Muitos dos participantes mostraram-se nervosos, alguns deles em lágrimas, quando saíram da sala de conferências, admite o analista Michael Ha, que iria assistir ao evento: "Na altura, não sabíamos o que tinha acontecido, quando tinha acontecido, onde tinha acontecido. Por isso, nem sequer sabíamos se havia potencialmente um atirador no próprio edifício."
Não havia: o atirador fugiu a pé depois de a arma ter começado a funcionar mal, pegou numa bicicleta eléctrica uns metros à frente e conduziu até ao Central Park antes de desaparecer e ficar a monte. Para trás, segundo fontes policiais auscultadas pela ABC News, ficaram um telemóvel e os invólucros de seis balas de 9 mm, três delas gravadas com uma palavra: "Deny" (em português, "negar"), "Defend" (ou "defender") e "Depose" ("depor" ou "testemunhar").
Três palavras que adensam ainda mais a tese da polícia de que o ataque foi premeditado: "Não parece tratar-se de um ato de violência aleatório. Tudo indica que se tratou de um ataque premeditado, planeado e direccionado", considerou Jessica Tisch, comissária da Polícia de Nova Iorque. "Parece que a vítima foi especificamente visada, mas neste momento não sabemos porquê", sublinhou Joseph Kenny, chefe dos detectives da mesma força policial.
Nem a polícia, nem a mulher de Brian Thompson e mãe dos seus dois filhos, Paulette Reveiz. "Não sei, falta de cobertura [de um seguro] de alguém?", sugeriu ela em declarações à NBC News: "Não sei pormenores. Só sei que ele disse que havia algumas pessoas que o estavam a ameaçar", acrescentou. É uma informação que veio confirmar os relatos em como Brian Thompson e outros altos quadros da empresa tinham recebido ameaças nas últimas semanas, mas a polícia de Maple Grove, onde o director executivo vivia, já veio garantir que não tem nenhum registo de uma queixa formal.
Em comunicado, a UnitedHealthcare recorda o director executivo como um "líder de saúde incrivelmente inteligente e talentoso, com um futuro tão brilhante à sua frente": "Os nossos corações estão com a família de Brian e com todos os que lhe eram próximos", diz o documento. Brian Thompson tinha 50 anos. A pessoa que o matou continua a ser procurada pelas autoridades, que oferecem uma recompensa de 10 mil dólares (o equivalente a 9500 euros) a quem tiver informações úteis para o caso.