Dia Mundial do Solo: a importância da vida invisível debaixo dos nossos pés
No final de 2013, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o dia 5 de dezembro de 2014 como o primeiro Dia Mundial dos Solos (DMS). Deste então, esta data é celebrada todos os anos para destacar a importância deste recurso essencial e não-renovável, do qual dependemos para produzir cerca de 95% dos alimentos que consumimos. Para além de sustentar a agricultura, os solos desempenham um papel fundamental na manutenção da vida na Terra. São estes que regulam os ciclos essenciais, como o da água e dos nutrientes, e contribuem para o sequestro do carbono, ajudando a mitigar as alterações climáticas.
Apesar da sua importância, a situação dos solos no mundo é preocupante. Segundo a FAO, cerca de 33% dos solos estão degradados e mais de 90% poderão estar nesta situação até 2050, especialmente os solos agrícolas. Esta realidade torna urgente a adopção de práticas de gestão sustentável dos solos, e para isso é crucial conhecer todas as suas características. É precisamente neste contexto que o tema deste ano do DMS – Cuidar dos Solos: Medir, Monitorizar, Gerir – ganha relevância.
A proposta sublinha a importância de obter informação detalhada sobre as propriedades do solo e das suas dinâmicas ao longo do tempo. Afinal, não é possível cuidar do que não se conhece. Dados que incluem apenas os aspetos físicos e químicos, mas também com os biológicos, devem ser a base para uma gestão eficaz e responsável. É este conhecimento que permitirá proteger os solos e garantir a sua capacidade de sustentar a vida no planeta, agora e no futuro.
No final do século XIX, avanços na química revolucionaram o estudo do solo. Justus von Liebig, pioneiro da química agrícola, introduziu a ideia de que nutrientes específicos determinam o crescimento das plantas, impulsionando a indústria de fertilizantes e o desenvolvimento das cartas de solos. Estas cartas, essenciais para agricultores e outras áreas do conhecimento, revelavam propriedades químicas e físicas, mas ignoravam a dimensão biológica do solo.
No entanto, em cada cm2 de solo saudável, biliões de microrganismos interagem de forma complexa, decompondo matéria orgânica e suprimindo doenças. Sem esta vida, o solo perderia a sua fertilidade, a capacidade de filtrar água e de degradar poluentes. Contudo, os métodos tradicionais de microbiologia, que dependem do cultivo de microrganismos em laboratório, falharam em revelar a vasta maioria dessa biodiversidade, tendo esta ficado conhecida como "matéria escura microbiana".
O século XXI trouxe a sequenciação de próxima geração (NGS), uma tecnologia que permite estudar diretamente o DNA do solo, identificando milhares de espécies microbianas sem a necessidade de cultivo. Esta ferramenta revelou uma biodiversidade antes inimaginável, destacando relações simbióticas entre micróbios e plantas e como alterações nessas comunidades podem indicar degradação do solo e perda de fertilidade.
No último século, a saúde do solo foi sendo avaliada principalmente por características químicas e físicas. Agora, a genómica abre caminho para compreender como a biodiversidade microbiana sustenta estas propriedades, regulando nutrientes e aumentando a resiliência das plantas. No entanto, a perda de diversidade microbiana causada por práticas agrícolas intensivas e pela poluição compromete a saúde do solo e, consequentemente, as suas funções.
A NGS já transforma as práticas de gestão dos solos. Na agricultura, avalia a saúde microbiana do solo, orientando intervenções como o uso de fertilizantes orgânicos ou simplesmente na redução dos clássicos fertilizantes de síntese. Na conservação ambiental, monitoriza ecossistemas naturais e os impactos das alterações climáticas, essenciais para estratégias de sequestro de carbono e retenção de água.
Assim como as descobertas químicas transformaram a agricultura no século XX, a genómica promete uma abordagem mais holística neste início do século XXI. Ferramentas genómicas possibilitam a criação de índices de saúde biológica e complementam as clássicas cartas físico-químicas, permitindo cuidar e gerir melhor dos nossos solos. Que este Dia Mundial do Solo inspire ações para desvendar os seus mistérios e preservar as suas riquezas para o futuro.
Os autores escrevem segundo no novo acordo ortográfico