Literacia mediática

Marcelo está preocupado com o mundo: “Hoje não há moderados, só há radicais”

Presidente da República confessa a sua “preocupação” perante as dificuldades dos poderes e da comunicação social clássicos, na sequência da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.

RG Rui Gaudêncio - 04 Dezembro 2024 - CoferênciaP superior. Lisboa. Público�
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Marcelo Rebelo de Sousa discursou esta quarta-feira na conferência de lançamento da 6ª edição do PSuperior Rui Gaudêncio

“As democracias são o reino da moderação e hoje o que não há é moderados, só há radicais”, sublinhou o Presidente da República esta quarta-feira, na conferência de lançamento da 6.ª edição do PSuperior. Num discurso marcado pela mudança de ciclos na política, na economia e na comunicação, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se preocupado com a recriação da informação e do poder, alicerçado na nova eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.

Marcelo Rebelo de Sousa alertou para a emergência dos discursos populistas e para a necessidade de agir perante esses novos contextos. “A realidade não está racional, está emocional. As novas lideranças são emocionais, as novas formas de comunicação são emocionais, os novos poderes são emocionais. Não são racionais...”, referiu, na abertura da conferência. O Presidente da República deu o seu próprio exemplo, inclusive: “Agi perante o chamado populismo pela via popular, sem ultrapassar os limites que ultrapassam o popular do populista. É preciso estar lá antes, antecipar a compreensão da mensagem, fazer permanentemente pedagogia sobre a mensagem.”

As palavras do Presidente da República apontaram às dificuldades de financiamento dos meios de comunicação social e à perda de relevância na intermediação — a política tem voz própria pelas redes sociais, por exemplo –, mas sem perder o optimismo. “É fundamental que as democracias não apenas sobrevivam, e não se transformem em iliberais – que é uma forma simpática de dizer ditaduras –, como consigam gerar dentro de si um clima de reforma permanente”, disse, apelando à reflexão das instituições políticas e sociais, bem como dos seus responsáveis, face à literacia (mediática e não só).

O tom do discurso — “preocupado, mas muito motivado” — marcou a tarde de debates sobre a literacia mediática e a desinformação desta quarta-feira, no auditório do PÚBLICO, em Lisboa, na qual também participaram Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, e Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação.

Pedro Duarte puxou do Plano de Acção para a Comunicação Social, apresentado pelo Governo da Aliança Democrática em Outubro, assumindo o intuito de complementar e “alargar o acesso à informação fidedigna” aos estudantes do ensino secundário, através de assinaturas gratuitas de meios de comunicação social — o PSuperior oferece assinaturas a estudantes do ensino superior — ou também a inclusão de uma disciplina nas escolas com matérias ligadas à literacia mediática. “Vamos, no muito curto prazo, colocar em consulta pública esse Plano Nacional de Literacia Mediática”, disse o ministro, anunciando o avanço de um novo plano nesta matéria, depois de o plano vigente para 2024 a 2029 ter sido revogado pelo Governo em Agosto deste ano.

O novo velho perigo da desinformação

A desinformação tomou de assalto os debates em torno da literacia mediática, sobretudo centrada na sua propagação através das redes sociais e do meio digital. “O problema não está na imprensa, o jornalista cumpre todas as regras e pode ser penalizado civil e criminalmente, mas todos os outros são um cavalo à solta”, sublinhou Carlos Eugénio, director-geral da Visapress, num dos painéis dedicados precisamente à desinformação.

Carlos Eugénio sublinhou ainda que a classe política tem a sua quota de responsabilidade. “A polarização existe por culpa do Estado. Os responsáveis políticos têm muita culpa na polarização. A partir de 2016, houve uma dispersão da informação de forma irracional, por via do impulso de querer falar, comunicar, contradizer ou dizer coisas que não são bem a realidade, que faz com que seja mimetizada por toda a outra camada da sociedade que vê neles um exemplo”, acrescentou.

Como foi realçado durante os debates, a desinformação não é um risco novo — será um velho perigo, reforçado com novas armas. Como referiu Alberto Rui Pereira, director executivo da IPG Mediabrands Portugal: “A informação falsa é muito difícil de filtrar.”

André Cardoso, presidente do Conselho Nacional de Juventude, defende que a “desinformação é causa para a polarização e que essa polarização é tão acentuada quanto mais desinformação tivermos”, apontando à necessidade de a informação credível estar presente nos locais e no tempo disponível que os jovens têm. E esse também será um desafio para os meios de comunicação social. Por exemplo, as notícias sobre a imposição de lei marcial na Coreia do Sul circularam mais rapidamente nas redes sociais do que nos jornais, como exemplificou Pedro Fonseca, da NTT Data Portugal.

David Pontes, director do PÚBLICO Rui Gaudêncio
Fernando Alexandre, Ministro da Educação, Ciência e Inovação Rui Gaudêncio
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David Pontes, director do PÚBLICO Rui Gaudêncio

As marcas e a literacia

Do lado das soluções, a literacia mediática foi conceito-chave para a maioria dos intervenientes. “Temos de tornar a desinformação cada vez mais difícil de vingar, através da educação”, referiu Daniel Fonseca, director de Marca e Comunicação da Sonae (que detém o jornal PÚBLICO).

Alberto Rui Pereira virou atenções para o papel das marcas e da responsabilidade que também têm em associar-se aos órgãos de comunicação social, por exemplo. “Temos de criar em Portugal dinâmicas junto das marcas, para as marcas se aperceberem de que, embora seja mais fácil e mais cómodo comunicarem nas plataformas globais [como Google ou redes sociais], por serem mais acessíveis e normalmente mais baratas, isso pode criar problemas de credibilidade e reputação para a marca”, afiançou. “Isto é uma forma de estrangular os grupos de média em Portugal. Os grupos de média em Portugal precisam das marcas”, acrescentou o responsável da IPG Mediabrands Portugal.

As dúvidas sobre a necessidade de regular as plataformas abertas e nas quais a disseminação de informação falsa é mais frequente e fácil, como as redes sociais, também foram alvo de discussão ao longo da tarde desta quarta-feira. Paulo Jorge Ferreira, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, defendeu essa opção: “É preciso olhar para os algoritmos, olhar para a entidade que detém a rede e tentar regular esses mecanismos de entrega.”

Os jornais escolares, também promovidos pelo PÚBLICO através da iniciativa PÚBLICO na Escola — que esta quarta-feira também entregou os prémios do Concurso Nacional de Jornais Escolares –, foram outro dos aspectos realçados pelos participantes na discussão sobre literacia mediática. “Os jornais escolares são uma iniciativa muito importante porque coloca os estudantes do ponto de vista da produção de informação”, afirmou Fernando Alexandre, notando a relevância de estar do lado de quem constrói notícias.

Marcelo Rebelo de Sousa também enalteceu o papel dos jornais escolares na formação de alunos e futuros cidadãos mais críticos e recordou a sua própria participação no PÚBLICO na Escola. “Há 30 anos, colaborei no PÚBLICO na Escola e adorei. Num país onde fazer um jornal em algumas escolas emocionava-me, tal era a escassez de recursos. Faziam omeletas sem ovos nenhuns, mas faziam omeletas óptimas”, lembrou, mostrando-se disponível para, cessadas as funções na Presidência da República, voltar a colaborar com o projecto.

​O PSuperior é uma iniciativa que promove a literacia mediática lançada pelo PÚBLICO e que conta com o apoio de diversos parceiros da sociedade portuguesa: Fidelidade, Google, Porto Editora, Media Brands, NTT Data, Fuel, Sonae e VisaPress. No âmbito do PSuperior serão distribuídas perto de 6000 assinaturas do jornal a estudantes de universidades e institutos politécnicos portugueses. Os estudantes podem verificar se são elegíveis aqui.