Caro leitor,

Atrevo-me a dizer que já todos pensámos (numa altura da vida mais ou menos longínqua) numa coisa parecida com o título desta newsletter. Sabemos que o emprego que temos já não é para nós, mas a decisão de ir muitas vezes complica-se.

Há umas semanas tivemos a ideia de lançar um repto aos leitores do P3: se já se despediram de um trabalho, como e por que é que tomaram essa decisão? Focámo-nos nos leitores mais jovens porque é o nosso propósito enquanto secção; no entanto, também recebemos respostas de maiores de 30 anos bastante esclarecedoras.

Os casos, apesar de específicos, tinham certos elementos em comum. E, apesar de não ser uma amostra significativa, permitem-nos concluir de forma empírica que há problemas que não são de agora.

Sem querer revelar muito – até porque o texto que vai nascer deste questionário ainda não está cá fora – partilho com o leitor algumas passagens que me ficaram na memória.

Um dos leitores cita a "falta de mentoria" como a razão para deixar o trabalho que tinha. "Muitas horas não remuneradas, muitas horas em transportes", diz outra leitora (e prepare-se porque vai ver este tema repetido várias vezes). "A gota de água foi quando houve uma oportunidade para me promoverem e decidiram escolher outra pessoa, mesmo sabendo que cumpria todos os requisitos".

"Todo o ambiente da empresa era hostil e inóspito", cita outro leitor. E mais uma vez o mesmo tema: "Tinha contrato de sete horas e meia, mas não podíamos sair a horas. (…) Nem era permitido colocar em sistema esse tempo extra porque ‘bloqueava’."

"Microgestão era o prato do dia", continua a mesma leitora. "Colegas de trabalho, chefia directa incompetente", resume outra. "A dada altura o meu trabalho era um pouco ‘não fazer nada’. Não gosto de trabalhar para estar quieto", avança outro leitor.

O que pretendem num futuro emprego? "Um salário que permita viver", responde uma pessoa. E porque saíram? "O cansaço foi-se acumulando ao longo de um ano e, ao perceber que essa sobrecarga não era uma fase, mas o novo padrão da empresa, ficou claro que precisava de procurar alternativas mais saudáveis", resume um leitor.

Como souberam que estava mesmo na hora? "Foi quando um dia fechei a porta de casa e senti um peso no peito", começa um dos testemunhos. Entregar a carta de demissão "foi difícil, mas fácil ao mesmo tempo".

Então, como sei que cheguei ao ponto de não retorno?

Liliana Dias, psicóloga da área da saúde e do bem-estar no trabalho, começa por falar do ponto de vista académico: "Normalmente a pessoa começa a contemplar uma necessidade de mudança no momento em que começa a ter já sinais óbvios de algum desequilíbrio entre o que lhe é exigido no trabalho e os recursos que têm".

Na prática, o que se vê é que "as pessoas muitas vezes têm um sofrimento prolongado". Às vezes, explica-se por motivos pessoais – "falta de segurança de que vão encontrar uma coisa melhor", "baixa autoconfiança" — mas também há muito de estrutural e contextual nesta decisão de não sair logo: "Em Portugal, as pessoas têm pouca mobilidade, não só dentro da mesma organização como entre organizações".

Ainda que tenhamos "melhorado muito em dez anos", "somos muito adversos ao risco, arriscamos pouco e temos muita instabilidade financeira". "Não conseguimos facilmente criar poupança para nos ajudar numa transição de vida, de carreira, e isso obviamente também nos limita muito."

O risco de deixar arrastar esta situação é "stress crónico, burnout e outros problemas de saúde mental". Há quem perca mesmo "a capacidade de estar integrado no mercado de trabalho", um "dano terrível para as próprias e para a sociedade".

Mas então como consigo seguir em frente, procurar um trabalho novo?

Clareza é a palavra-chave. Saber exactamente "as condições que valorizo". É um processo que começa logo na entrevista e que precisa de proactividade: o candidato deve tentar saber como é que trabalham naquela empresa, qual é a cultura e até pode pedir para falar com outros elementos da equipa (especialmente numa fase mais avançada, quando já sabe que foi seleccionado).

E mesmo que não saiba ainda o que quer, sabe o que não quer — e isso já ajuda. "Por exemplo, se trabalhei num contexto onde senti que era uma cultura muito hierarquizada, com grande assimetria, e não me senti bem, posso perguntar na entrevista qual é a forma de trabalho, como é o organigrama, se há muito distanciamento", aconselha a psicóloga. Até antes de se candidatar pode procurar pessoas que trabalham nessa empresa através do LinkedIn e perguntar-lhes directamente como é.

"Isto poupa muito dinheiro à organização que está a contratar pessoas que depois não se ajustam e poupa muita frustração ao candidato, por exemplo, se houver desequilíbrio pessoal e uma transição negativa."

Uma transição que pode acontecer dentro do local de trabalho actual, se houver abertura por parte da empresa para isso: "Já me aconteceu acompanhar pessoas que estão no regresso ao trabalho após uma baixa, e onde se reformula a função que têm. Há organizações que estão cada vez mais sensíveis a isto, a redesenhar o trabalho em função do indivíduo", algo que "pode funcionar muito bem com o devido acompanhamento", avalia.

"Por vezes estamos em ambientes que são extremamente desafiantes e stressantes, mas que nos enriquecem. O stress não é sempre mau", descreve. E as empresas exigentes, desde que forneçam o apoio necessário, podem ser "óptimos aceleradores" do desenvolvimento dos colaboradores.

Quando estava a pensar no tema desta newsletter lembrei-me várias vezes de uma música de Samuel Úria, É preciso que eu diminua. Às vezes estar no trabalho errado, no momento errado, é mesmo como estar "numa casa onde o espaço é todo meu". "É preciso abreviar-me, mas eu só sei crescer" – e é assim que sei que está na hora de ir.

Trabalho extra

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