Rafael Marques: “Saberemos aproveitar esta colagem aos EUA? Temo que não”
O director do Ufolo-Centro de Estudos para a Boa Governação não se permite euforias com a visita de Biden a Angola. “O país está refém da incompetência e da arrogância de uma mão cheia de medíocres”.
O jornalista e activista angolano Rafael Marques de Morais está muito céptico em relação à visita do Presidente dos Estados Unidos a Angola. E mesmo com toda a carga simbólica de ser a primeira visita oficial a África de todo o mandato de Joe Biden, que está prestes a ceder o cargo ao mesmo chefe de Estado que o antecedeu no cargo, Donald Trump, Rafael Marques de Morais não acredita que o incompetente Governo angolano consiga aproveitar a relação próxima com Washington.
“Saberemos aproveitar esta colagem aos EUA para melhorar o desempenho do Governo, que é um desastre? Temo que não. Com um péssimo Governo não temos como aproveitar as relações internacionais para progredirmos”, desabafa Rafael Marques.
Ao fim de sete anos de João Lourenço no poder, do Presidente que chegou a ser visto como um reformista e foi recebido com esperança, até pelo próprio activista, pouco resta, ficando apenas o desânimo com “um Presidente que não sabe governar”, que deixou “as velhas-novas oligarquias capturarem o Estado” e que dificilmente saberá aproveitar o impacto da visita de Joe Biden.
“O país está refém da incompetência e da arrogância de uma mão cheia de medíocres que se acham donos de Angola. Desejamos ao Presidente Biden bom regresso à casa e uma reforma tranquila. Nós continuamos na mesma”, ironizou o agora director do Ufolo – Centro de Estudos para a Boa Governação.
Por isso, tudo ficará pelo “abraço simbólico”. O que Angola precisa é de “arrumar” primeiro as coisas para poder encarar o futuro, porque “enquanto não houver sintonia de interesses comuns entre os que governam e o povo em geral não saberemos distinguir os amigos reais daqueles que nos exploram com ou sem sorrisos”.
Além disso, uma aliança militar não se come, não enche a barriga de um povo cansado de promessas adiadas, desesperançado e com vontade de partir, para Portugal, para o Brasil, para a Zâmbia, para a Namíbia, para qualquer lado que não seja ficar sem qualquer perspectiva de ver as coisas mudar.
“A vida do angolano não vai melhorar com alianças militares, mas com investimentos no desenvolvimento humano”, adianta Rafael Marques. “As prioridades de Angola devem ser a educação, a criação de um ambiente de negócios que promova a geração de empregos, a funcionalidade da administração do Estado e um Governo com pessoas sérias e responsáveis.”
“As alianças militares oferecem balas e não a produção alimentar que mais precisamos para reduzir a fome no país”, critica. Fome que a seca e os altos preços dos alimentos têm vindo a aumentar no Sul e no Leste de Angola, onde muitas famílias começam a mostrar sinais elevados de desnutrição, como apontava o relatório de Setembro da Rede de Sistemas de Alerta Precoce contra a Fome (FEWS NET), citado pelo DW.
As províncias mais afectadas são Cunene, Cuando Cubango, Moxico, Huíla e partes do Namibe e de Benguela, onde Joe Biden cumpriu esta quarta-feira o seu último de visita oficial a Angola, são as mais afectadas.
“Quem define as prioridades de Angola não são os americanos. Nem deve ser João Lourenço sozinho. Deve haver um pacto social em Angola sobre o rumo do país. Só assim saberemos aproveitar as parcerias que nos oferecem”, referiu. “Os angolanos têm os olhos postos no Presidente” e querem dele “boa governação, liberdade e políticas públicas que desagravem a crise sócio económica”.
Mas facilmente se percebe que não é com essas condições que os angolanos vivem. Em Luanda adoptou-se uma “tolerância de ponto de dois dias” para a recepção ao chefe de Estado norte-americano. “O país está parado porque não tem condições adequadas para receber um Presidente americano sem parar tudo.”