“Queria muito que o mundo pudesse ver o que vi hoje”, disse Biden em Angola
Presidente dos EUA vê no Corredor do Lobito, “a primeira via férrea transcontinental” de África, um dos legados da sua presidência. Na cimeira multilateral em Benguela disse que “o futuro já chegou”.
É difícil encontrar outros exemplos de cimeiras com quatro chefes de Estado e um vice-presidente realizada entre as máquinas de uma fábrica, mesmo sendo parte do complexo industrial da maior empresa agro-industrial de Angola e a menina dos olhos do Governo de João Lourenço. Cenário à parte, Joe Biden falou como se estivesse a deixar para a posteridade um dos principais legados da sua presidência que está a chegar ao fim, o Corredor do Lobito, “a primeira linha férrea transcontinental em África”.
“Quando lancei este projecto no ano passado, com os parceiros do G7, disse que o nosso objectivo seria construir um futuro melhor”, referiu Biden, sob o olhar atento do seu anfitrião, João Lourenço, e dos outros dois homólogos, Félix Tshisekedi, da República Democrática do Congo, e Hakainde Hichelema, da Zâmbia, bem como do vice-presidente da Tanzânia, Philip Mpango, reunidos para a Cimeira Multilateral sobre o Corredor do Lobito, em Benguela.
Pois, “o futuro já chegou, é agora”, garantiu o Presidente norte-americano, antes de expressar o desejo: “O facto é que queria muito que todo o mundo pudesse ver o que vi hoje. Carris da via-férrea que irão constituir a primeira linha férrea transcontinental em África, vagões que vão encurtar a viagem de dias para horas, silos ou celeiros que vão transformar uma região importadora de cereais em exportadora.”
E antes que alguém venha reduzir o projecto a mera linha férrea a atravessar África e se distraiam a ver comboios, Félix Tshisekedi, o chefe de Estado congolês, explicou que não se trata “apenas de uma via logística, mas de um motor de transformação económica e social”. Trata-se, segundo Hakainde Hichelema, de um “corredor de importância vital para abrir os nossos países, abrir as nossas regiões, o continente inteiro, aos Estados Unidos, à Europa e a outras partes da comunidade global”.
O próprio anfitrião sublinhara, no discurso de abertura, a “importância desta cimeira para o desenvolvimento integrado do continente e a interligação deste com o resto do mundo”, salientando que se estava a assistir à história a ser feita, pois o Corredor do Lobito “passará a ser uma referência histórica do comércio mundial e das cadeias logísticas”.
Para os EUA e as maiores economias ocidentais, incluindo a União Europeia, o Corredor do Lobito é o grande projecto de referência em matéria de construção de infra-estruturas em África, uma linha de caminho-de-ferro para trazer mais rapidamente os minérios do coração do continente (das minas do Leste de Angola, da Zâmbia e da República Democrática do Congo) para os telemóveis e as baterias dos carros eléctricos da economia mundial e um eixo de desenvolvimento regional. Aliás, Biden anunciou um investimento adicional norte-americano de 600 milhões de dólares “para a expansão da infra-estrutura agrícola, para construir redes móveis de alta velocidade e continuar a reformar a linha férrea”.
O projecto tem por objectivo romper o défice de investimento ocidental em grandes projectos de infra-estruturas em África nas últimas década e é anunciado como um corredor transcontinental, ligando Angola à contracosta. Um projecto de bandeira dos Estados Unidos para tentar reverter a actual predominância chinesa na África subsariana.
No entanto, não só o Corredor do Lobito (de que a Mota Engil é um dos concessionários desde 2022) assenta no Caminho de Ferro de Benguela, recuperado com ajuda dos chineses. Também a ligação entre RD Congo, Zâmbia e o porto de Dar-es-Salam, na costa tanzaniana, se fará através dos mais de 1800 km da linha férrea geridos pela Tazara – Tanzania Zambia Railway Authority, cujo protocolo de reabilitação foi assinado em Setembro com a China, à margem do Fórum de Cooperação China-África.
Hichilema esteve em Pequim em Setembro para a assinatura, tal como a Presidente tanzaniana, Samia Suluhu Hassan, que enviou a Benguela o seu vice-presidente com a mensagem de que na Tanzânia se vê "o Corredor do Lobito como uma parte integral da estratégia para ampliar a conectividade em África" e que estão a ser feitas “consultas internas” que visam alinhar o projecto com as “prioridades nacionais e outros compromissos bilaterais e regionais”.
Como fez questão de sublinhar Philip Mpango, este “é um projecto regional de imenso significado, não apenas para Angola, Zâmbia e RDC, também para toda a nossa região e mais além”.