Portugal não pode desperdiçar talento que formou
O 33.º Congresso da OMD debateu a falta carreira no SNS e os baixos salários que empurram muitos médicos dentistas para o estrangeiro, num universo com 13 mil profissionais em território nacional.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), num cenário ideal, os países deveriam contar com um médico dentista para cada 2.000 habitantes. Em Portugal, este rácio é de um médico dentista para 796 pessoas. Os dados até seriam positivos não fosse um estudo da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) revelar que 27 por cento dos portugueses nunca vão ao médico dentista, e que coloca o país na terceira posição entre os membros da União Europeia (UE) onde menos pessoas consultam regularmente estes profissionais. Adicionalmente, a mesma pesquisa refere ainda que cerca de seis milhões de portugueses têm falta de, pelo menos, um dente.
Isto significa que, não obstante a quantidade elevada de médicos dentistas em território nacional, as pessoas não têm acesso a equivalentes cuidados de saúde oral. Para Miguel Pavão, que partilhou os dados com a audiência que assistiu à sessão de abertura do 33.º Congresso da OMD, que decorreu entre 21 e 23 de Novembro em Lisboa, o país está, por um lado, a desperdiçar talento que forma e a ‘empurrar’ estes profissionais para procurarem melhores oportunidades de carreira noutros países e, por outro, a impedir o acesso a melhores cuidados de saúde oral, nomeadamente, porque “continua a faltar uma carreira no Serviço Nacional de Saúde (SNS)”. O bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas reiterou ainda a necessidade de fomentar a prevenção, mas, para atingir esta meta, “é necessário alterar as políticas públicas”.
Opinião semelhante foi a manifestada por Luís Marques Mendes, convidado especial na cerimónia de abertura do congresso. “É preciso que a integração desta profissão no SNS seja uma prioridade”, alerta o Conselheiro de Estado que reforça a importância de “rever a estrutura do SNS para fazer esta integração”.
Além disso, diz ainda o advogado, é preciso promover o crescimento económico e aumentar a produtividade do país para fazer crescer os salários. Até lá, e tal como acontece noutras profissões, “vamos continuar a ter muita emigração jovem que procura melhores condições de vida”.
À procura de melhores oportunidades
Sair do país continua a ser uma opção para muitos jovens licenciados, nas mais diversas áreas de estudo. Anualmente, saem do país cerca de 75 mil pessoas, das quais 30 por cento são jovens entre os 15 e os 39 anos. São números preocupantes, revelados por Miguel Oliveira, membro do Conselho de Jovens Médicos Dentistas da OMD, na abertura do painel de debate sobre ‘Emigração nos jovens profissionais de saúde’.
Citando os dados do Atlas da Emigração Portuguesa, revela ainda que a taxa de emigração nacional é a maior da Europa e a oitava maior do mundo, e que inclui quatro vezes mais licenciados do que pessoas com menos formação. No caso da medicina dentária, de acordo com o Estudo aos Jovens Médicos Dentistas, realizado pela OMD, França e Reino Unido são os países de eleição na busca por melhores oportunidades. Ainda assim, Miguel Oliveira assegura que a maioria pensa regressar um dia a Portugal, apesar de cerca de 40 por cento preferir manter-se fora. “Em Portugal há oportunidades para os médicos dentistas, mas emigrar é atractivo, especialmente pelos salários”, salienta.
Foi precisamente com este objectivo que Magali Guerreiro emigrou há dez anos para os Países Baixos, um país que procura muitos profissionais estrangeiros. “Há médicos dentistas de todo o lado, e as razões que os levaram até lá são semelhantes”, afirma a médica dentista que acredita que Portugal “está a formar profissionais a mais” e que o SNS devia “apostar mais na prevenção na saúde oral”.
A elevada qualidade do ensino nesta área em Portugal é, na opinião de Filipe Castro, um factor de atractividade destes profissionais para outros mercados. Por outro lado, diz o CEO da C&S Dental Formation, “também atrai estudantes estrangeiros que acabam depois por regressar aos seus países”. O também médico dentista acredita que uma das formas de colmatar esta saída de profissionais seria “a criação de incentivos governamentais, e não só, para atrair mais médicos dentistas para zonas mais remotas”.
Outro problema, aponta Leonor Quelhas Pinto, passa pelo desalinhamento de expectativas entre os objectivos dos jovens e as estratégias políticas. “O planeamento estratégico não é feito a longo prazo, mas por mandatos políticos”, afirma. A verdade é que, acrescenta a representante do Conselho Nacional da Juventude, “temos oferta, mas não há ponte com o acesso das pessoas aos cuidados de saúde”. Uma opinião partilhada por João Henrique Almeida, psicólogo e presidente da Associação Nacional de Jovens Psicólogos (ANJOP), que reforça que “os rácios têm de ser repensados, mas não podem ser iguais em todo o país”.
Os participantes neste debate foram unânimes na questão da integração dos médicos dentistas no SNS, que consideram essencial. “Não se compreende como a saúde oral ainda é tão precária em Portugal”, salienta Filipe Castro. “É preciso incluir a saúde em todas as políticas, melhorar a qualidade de vida e a flexibilidade laboral para manter os jovens por cá”, conclui João Henrique Almeida.
Médicos dentistas ‘empurrados’ para negócio próprio
As saídas profissionais para quem faz a formação de médico dentista não são muito amplas em Portugal, e esta é, aliás, uma das razões para tantos jovens licenciados saírem do país antes mesmo de iniciarem o seu percurso. Sem carreira no SNS, os profissionais da área acabam por ser ‘empurrados’ para criar um negócio próprio, e aqueles que não arriscam a entrar na aventura do empreendedorismo trabalham, grande parte das vezes, em regime de prestação de serviços aos múltiplos consultórios e clínicas.
Mas como é, afinal, ser médico dentista e empreendedor em Portugal? “O empreendedorismo devia ser algo natural, mas em Portugal ainda tem de ser feito contra a corrente”, afirma Joaquim Cunha. O director executivo do Health Cluster Portugal, que participou no painel de debate com o tema ‘Empreendedorismo e inovação em medicina dentária’, defende ainda que, ao contrário da imagem que muitas vezes procura dar-se, “o empreendedorismo não é uma arte. É profissionalismo e rigor”.
Uma opinião partilhada por Joana Branco que não tem dúvidas de que, ainda assim, “é precisa uma boa dose de loucura para sair da zona de conforto e criar valor”. A directora de Inovação e Desenvolvimento de Ecossistema no Biocant Park, defende, contudo, que “nem todos somos ou temos de ser empreendedores”. Aliás, refere que o modelo financeiro nesta área é bastante distinto de outras, nomeadamente ao nível do financiamento. “É raro encontrar empresas que avancem sem capitais próprios como acontece nos médicos”.
Apesar do caminho que muitos médicos dentistas seguem ao abrir o seu próprio negócio, na opinião de André Simões, ainda falta em Portugal um ensino que promova o empreendedorismo e que ensine as competências essenciais a partir numa aventura empresarial. O Director Clínico na Ourémed e co-fundador da Digital4all acredita que ainda faltam apoios a quem quer dar este passo, mas recomenda persistência e resiliência. “O ecossistema de inovação em Portugal não é fácil, mas é muito necessário”.
Por outro lado, as ferramentas tecnológicas podem ser um apoio muito importante para os empreendedores, como refere Carlos Carvalho. A inteligência artificial (IA), por exemplo, “pode apoiar a capacidade de decisão e a formação das pessoas”, diz o presidente da Direcção Nacional da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários. “Devíamos olhar mais para modelos de inovação para o empreendedorismo”, acrescenta. Uma opinião partilhada por André Simões que defende o alargamento dos apoios do Estado e a sua desburocratização. “São processos complexos, com custos elevados, e que demoram muito tempo a ter uma resposta”, aponta.